1
DOI: https://doi.org/10.48160/18517072re51.39
Sinalizando a etnografia como estratégia para a
compreensão da ação técnica do engenheiro em
empresas da Microrregião de Blumenau
*
Jamille Gabriely Bezerra Rodrigues de Melo
**
,
Juliana Teixeira Coelho
***
Kerolyn Paula Freire Wirmond
****
Vinícius Henrique dos Santos
*****
Brenda Teresa Porto de Matos
******
Marilise Luiza Martins dos Reis Sayão
*******
*
Agradecemos à estudante de Engenharia de materiais Paula Rosa Muraro Grando, que nos
disponibilizou um relato inicial de seus registros em estágio na mencionada empresa da área de
usinagem e fundição de Blumenau, e ao estudante de Engenharia de controle e automação Leonardo
Fabrício Pedroso, por seu comprometimento e parceria durante o tempo de sua participação no projeto.
**
Estudante de Engenharia de materiais, xtil e de controle e automação da Universidade Federal de
Santa Catarina, Centro Tecnológico, de Ciências Exatas e Educação, de Blumenau.
***
Estudante de Engenharia de materiais, têxtil e de controle e automação da Universidade Federal de
Santa Catarina, Centro Tecnológico, de Ciências Exatas e Educação, de Blumenau.
****
Estudante de Engenharia de materiais, têxtil e de controle e automação da Universidade Federal de
Santa Catarina, Centro Tecnológico, de Ciências Exatas e Educação, de Blumenau
*****
Estudante de Engenharia de materiais, têxtil e de controle e automação da Universidade Federal de
Santa Catarina, Centro Tecnológico, de Ciências Exatas e Educação, de Blumenau.
******
Professora da Universidade Federal de Santa Catarina, Centro Tecnológico de Ciências Exatas e
Educação, de Blumenau. Correo electrónico: btmatos@hotmail.com
*******
Professora da Universidade Federal de Santa Catarina, Centro Tecnológico de Ciências Exatas e
Educação, de Blumenau. Correo electrónico: < mariliselmreis@gmail.com>
2
Revista Redes 51 ISSN 1851-7072
Resumo
O presente artigo tem por objetivo apresentar os resultados de uma investigação de
cunho sociotécnico voltada a compreender o trabalho do engenheiro no seu espo
de trabalho, lançando um olhar interdisciplinar sobre os processos de concepção e
desenvolvimento de processos e produtos. Trata-se de uma pesquisa de campo, na
qual foram investigadas questões que remetem à ação cnica do engenheiro em
algumas empresas têxteis da Microrregião de Blumenau. Discutiu-se o contexto atual
da formação em engenharia, e, mediante um esforço de aproximação ao método
etnográfico no âmbito das empresas, associado a entrevistas e questionários, buscou-
se apreender as práticas observadas no que tange a objetos técnicos e não técnicos,
para se utilizar tal conhecimento no ensino de engenharia, considerando a tecnologia
e as inovações tecnológicas como resultantes de toda uma rede de relações. Os
resultados indicaram que a ação técnica, empreendida pelos engenheiros-alvo desta
investigação, desenvolve-se dentro de uma rede de relações entre objetos, cujos
porta-vozes são pessoas ou grupos sociais. Nessa medida, suas práticas demandam
habilidades e competências de liderança, relacionamento interpessoal, trabalho em
equipes multidisciplinares, comunicação, atitude investigativa, dentre outras, e o
conhecimento delas pode ampliar o horizonte dos estudantes acerca da abrangência
do seu trabalho profissional.
Palavras-chave
ENGENHARIA; ETNOGRAFIA; SOCIOTÉCNICA; ESTRATÉGIAS DE FORMÃO.
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Revista Redes 51 ISSN 1851-7072
Introdução
No momento atual de nosso país, o engenheiro é um dos profissionais que, talvez,
mais careça de disciplinar a imaginação a fim de desempenhar o seu papel de agente
ativo de mudanças sociais e de desenvolvimento, no sentido amplo do termo
(econômico, social, político, ambiental etc.). É com base nessa afirmação que o
presente artigo se configurou, tendo como objetivo apresentar os resultados de uma
investigação de cunho sociotécnico, voltada à compreensão do trabalho do
engenheiro no seu espaço de trabalho.
Trata-se de uma pesquisa de campo de caráter qualitativo, pautada também em
um esforço de iniciação ao método etnográfico, com o intuito de investigar a atuação
de três engenheiros e de duas estagiárias de engenharia em final de curso em quatro
empresas da cidade de Blumenau e microrregião, estado de Santa Catarina, Brasil,
sendo três delas têxteis e uma de usinagem e fundição. Buscamos lançar um olhar
sociotécnico sobre o trabalho desses profissionais na concepção e desenvolvimento
de processos e/ou produtos, por meio de questionários, entrevistas, visitas
acompanhadas, observação participante e diários de campo.
A atividade desses engenheiros e estagiárias em seu ambiente de trabalho foi
apreendida mediante a intervenção em campo de três bolsistas voluntários de
Iniciação Científica e das duas estagiárias referidas anteriormente, todos estudantes
das engenharias da Universidade Federal de Santa Catarina, Centro Tecnológico de
Ciências Exatas e Educação, de Blumenau, responsáveis pela coleta de dados,
mediante orientação das professoras do projeto, que são da área de Estudos Sociais
da Ciência e da Tecnologia e acompanhados em campo por elas em uma das
empresas têxteis.
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Revista Redes 51 ISSN 1851-7072
No âmbito da investigação, pretendeu-se, neste artigo, discutir o contexto da
formação em engenharia na atualidade, que ensejou aproximar-se do método
etnográfico no âmbito das empresas como uma ferramenta para se entender a
dinâmica do espaço laboral em que o engenheiro está inserido. Sua utilização se
consolidou em estudos acerca da natureza da construção do conhecimento científico,
perpetrados por pesquisadores como Bruno Latour e Michel Callon, entre outros, mas
é ainda novidade e desafio como estratégia de compreensão da ação técnica do
engenheiro quando na sua atuação profissional e desde uma perspectiva
sociotécnica, de modo a contribuir para a formação em engenharia e para o
atendimento do perfil requerido pelo mercado.
Nesse sentido, três questões foram aqui contempladas: a) apresentar os
desafios atuais colocados à formação em Engenharia, principalmente naquilo que
remete à formação na perspectiva sociotécnica e à esperada pelas empresas; b)
refletir sobre as especificidades do uso de ferramentas da etnografia em contextos em
que trabalho, inovação, conhecimento, ciência e tecnologia interagem rotineiramente;
c) apresentar os resultados colhidos, buscando identificar contribuições e limitações
que o método pode trazer para tal formação.
Os desafios da formação em engenharia na perspectiva
sociotécnica e das empresas
Os desafios que se colocam para a formação em engenharia na atualidade, que passa
por habilidades e competências, bem como pela adoção de diferentes metodologias
que sejam mais ativas, parecem confrontar e articular pelo menos três questões: o
alinhamento com as novas diretrizes nacionais para formação nessa área, as relações
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Revista Redes 51 ISSN 1851-7072
entre ciência, tecnologia e sociedade e as novas estruturas socioeconômicas e
tecnocientíficas.
As antigas diretrizes de 2002 (CNE, 2002) evidenciavam que o engenheiro a ser
formado deveria ter uma atitude cooperativa, dialógica e interacionista, dotado de
conhecimentos técnico-científicos e sociotécnicos que o capacitassem a absorver e
desenvolver novas tecnologias, estimulando a sua atuação crítica e criativa na
identificação e resolução de problemas, considerando os aspectos políticos,
econômicos, sociais, ambientais e culturais, com visão ética e humanística e com uma
visão de mundo que ressaltasse o valor social da atividade, a sustentabilidade
socioambiental e a qualidade de vida.
as novas diretrizes, instituídas em 24 de abril de 2019 (CNE, 2019), como
resultado da revisão proposta pela Confederação Nacional da Industria (CNI) em
conjunto com a Associação Brasileira de Ensino de Engenharia (ABENGE), além de
manterem diversos pressupostos do documento anterior, passaram a indicar a
importância da aproximação dos alunos com a prática e com o mercado de trabalho,
ou seja, a busca por uma formação específica, alinhada com as necessidades do
mercado e da sociedade, que garanta a empregabilidade dos egressos ou seu êxito
enquanto empreendedores.
Por seu lado, os Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia (ESCT), ou a relação
Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS), que vieram se desenvolvendo
particularmente a partir dos anos 1980, constituem hoje um campo de trabalho crítico
em relação à imagem redentora, essencialista e linear da ciência e da tecnologia
(Linsingen, 2015). A prioridade desses estudos é analisar os processos de produção,
inovação e difusão dos conhecimentos científicos e dos objetos técnicos, tratando a
ciência e a tecnologia de forma integrada com os aspectos histórico-sociais, políticos
e econômicos, ou seja, como conjuntos sociotécnicos. Nesse sentido, os ESCT
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passaram a considerar, na atuação dos engenheiros, as demandas sociotecnológicas,
tendo em vista que a tecnologia é uma dimensão fundamental para a compreensão
das dinâmicas de inclusão e exclusão social, no âmbito das especificidades
socioculturais e políticas locais e regionais.
Alinhadas aos desafios postos pelas políticas educacionais do país para os
cursos de graduação em engenharia e pelos Estudos Sociais da Ciência e da
Tecnologia, estão tamm as demandas que nascem das novas estruturas sociais
contemporâneas, em particular, do avanço científico e tecnológico, que modifica as
complexas relações sociais, tornando-as, simultaneamente, mais intensas e mais
efêmeras. O conhecimento científico vem sendo gerado muito rapidamente e, ao
mesmo tempo, crescem e se diversificam os meios de distribuição dessas
informações.
Na esfera econômica, a competição ultrapassa fronteiras nacionais e deixa a
economia do país muito vulnerável às mudanças econômicas internacionais.
Levando-se em conta as transformações sociais e políticas que têm provocado na
sociedade brasileira o interesse expresso de reduzir injustiças sociais e orientar ações
no sentido de ampliar a inclusão social, a formação de engenheiros requerida,
diferentemente do que se poderia designar como uma visão tradicional de formação,
implica incluir aspectos até agora pouco explorados. Não se discutia, naquele
contexto, qual engenheiro seria preciso formar e para quê.
No que se refere às empresas, algumas habilidades têm sido bastante
requeridas dos engenheiros em formação, não sendo suficiente apenas que tenham
feito uma excelente graduação, com amplo conhecimento teórico. Tal aspecto é
importante, mas atualmente não basta. O estudante deve buscar outras
experiências que possam enriquecer seu currículo, entre elas atividades como estágio
ou trabalho voluntário. A limitação dos estudantes apenas ao mundo universitário tem
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sido uma barreira dificultadora de investimento em potencialidades. As organizações
querem funcionários praticamente prontos, que o exigem altos gastos com
treinamento e adaptação às rotinas de trabalho.
Entre as habilidades requeridas estão: ter uma boa comunicação; foco no
aprendizado, ou seja, estar aberto a se capacitar e acompanhar as tendências do
mercado; dominar idiomas, minimamente o inglês; saber trabalhar em equipe, pois o
profissional terá envolvimento com várias pessoas de diferentes experiências e
personalidades, o que pressuporá agir com maturidade e bom senso; priorizar o
planejamento, evitando ao máximo os desperdícios, ou seja, saber planejar de
maneira estratégica; trabalhar com eficiência e adotar as melhores práticas, como
medidas valiosas para se alcançar o reconhecimento em uma corporação, aliadas à
capacidade de inovar (Nose y Rebelatto, 2001). Todas essas características
atualmente requeridas são encampadas na perspectiva sociotécnica, tendo em vista
que o que se apresenta em termos de formação é que o engenheiro é muito mais do
que um mero detentor e desenvolvedor de tecnociência.
Como atender a esse perfil? Disciplinas de cunho sociotécnico, assim como
voltadas à inovação e ao empreendedorismo, foram e estão sendo incorporadas aos
currículos dos cursos por meio de atividades de cunho extensionista, práticas
curriculares voltadas para o desenvolvimento regional e a interação, mas se requer
mais pesquisa sobre os novos conteúdos e processos de ensino-aprendizagem, tendo
em vista que esse novo perfil de engenheiro é um desafio.
Nessa direção e para se refletir quanto à possibilidade do alcance desses
objetivos, a obra organizada por Dominique Vinck (2013), Engenheiros no cotidiano:
etnografia da atividade de projeto e de inovação, apresenta a concepção de que o
engenheiro não é apenas um profissional que atua baseando-se estritamente em
técnicas ou métodos de base científica, e isso é uma questão importante quando se
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problematiza a formação em engenharia. A tecnologia que resulta do seu trabalho,
assentada na matemática, é reinserida no contexto social no qual ele atua. E ela não
se afigura apenas como um penduricalho desse contexto: a tecnologia produzida
pelos engenheiros é parte da sociedade e, em parte, a condiciona. Nossa sociedade
atual é uma sociedade técnica. No mundo real, o engenheiro é um ator importante,
mas participa de uma rede maior, feita de uma diversidade de atores, que extrapola o
escritório de engenharia e avança sociedade adentro (Vinck, 2013).
Deveras, o próprio universo que corresponde à empresa em que atua o
engenheiro, tomando-se por pressuposto a concepção latouriana (Latour, 2011), é
imerso em uma rede tamm complexa de relações entre elementos humanos e não
humanos. Desse modo, representar, de forma mais ampliada, o trabalho do
engenheiro, e a dimensão mais real de sua ação técnica, possibilita uma nova
compreensão do ambiente onde a engenharia se desenvolve (indústrias, escolas,
entidades de ciência e tecnologia, governos) e, a partir dela, o entendimento dos
rumos do desenvolvimento tecnológico, das mudanças na indústria e do
funcionamento dos chamados sistemas sociotécnicos e de como estes se
desenvolvem por meio de inovações.
Para aprofundar o conhecimento sobre essa problemática instigante, considera-
se que é necessário investigar a atuação do engenheiro no seu campo tradicional de
trabalho, a indústria, para se lançar um olhar sociotécnico sobre esse campo, o que
significa buscar compreender como se articulam, in loco, as práticas e princípios
relativos à sua atividade técnica com os aspectos “não técnicos” (humanos,
organizacionais, éticos, políticos e sociais).
Ao se interagir com a realidade do universo empresarial e com as regras internas
que regem o trabalho do engenheiro por meio de processos de ensino-aprendizagem
e de pesquisa, fortalecem-se as relações entre universidade e empresas, assim como
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se pode redefinir e repensar as práticas de ensino, qualificando a formação de nossos
estudantes.
Nesse caso, a etnografia aplicada à engenharia pode se configurar como uma
interessante estratégia de formação, quando coloca o estudante frente a frente com a
prática, com um olhar mais inquisitivo para perceber a complexidade das
organizações e dos cenários em que operam e/ou atuam, na medida em que busca
examinar tanto o que as pessoas ou profissionais pesquisados dizem, quanto o que
efetivamente fazem.
A proposta de uma etnografia “das técnicas”, reproduzindo aqui a expressão
empregada por Vinck (2013, p. XVIII), busca dar conta da compreensão do trabalho
real dos engenheiros, no nosso caso, na indústria têxtil, e isso requer entrar nessas
comunidades de manufatura. O intuito, em última instância, é contribuir para quebrar
a problemática separação entre formação teórica e formação prática desses
profissionais, fruto do imperativo de uma racionalidade técnica, trazendo para dentro
de seu currículo acadêmico as análises decorrentes da pesquisa etnográfica e
transformadas em estudos de caso e problemas reais a resolver.
A etnografia como estratégia para desbravar as práticas
técnicas dos engenheiros no universo laboral
Ao se investigar a construção de fatos científicos e artefatos tecnológicos, pode-se
seguir por vários caminhos diferentes. Um deles, bastante recorrente, traçado e
patrocinado pelos modernos
1
, leva-nos a verificar a construção de fatos e artefatos
1
Entende-se aqui como modernos aqueles pensadores que desenvolveram suas concepções no
campo da teoria da racionalização intelectualista, consoante o que Anthony Giddens denominou
como modernidade: “refere-se a estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na
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como sendo um empreendimento marcado por dicotomias - tais como verdade-
falsidade, racionalidade-irracionalidade, sucesso-fracasso, entre outras -, que buscam
categorizar seus produtos, serviços e/ou resultados como exclusivamente
pertencendo a um lado ou outro dessas dicotomias, sendo tais lados comumente
considerados polos opostos e incomensuráveis.
Um caminho alternativo propõe reunir aquilo que o pensamento moderno
separou: natureza e sociedade. Para se pensar na indissociabilidade entre o “técnico”
e o “social”, segundo Cukierman (2011: 212), “é preciso pensar em mudar o ângulo
de aproximação do problema, percebê-lo por um novo enquadramento [...] um
enquadramento em que o ‘técnico’ e o ‘social/cultural’ constituem um movimento de
co-modificação”. Ao se calibrar tal ângulo de aproximação de forma a obtermos maior
riqueza de detalhes, possivelmente perceber-se-á o quanto os elementos constitutivos
do tecido estão justapostos, levando-nos a enxergá-lo como um tecido inteiriço, sem
costuras, porém sem desconsiderar as nuances que lhes são próprias, conferindo-
lhes singularidade. Somente será possível enxergá-lo dessa forma ao se lançar um
olhar sociotécnico sobre ele.
Por sua vez, ao se acompanhar a construção de um artefato tecnológico sob
uma abordagem sociotécnica, deve-se analisá-lo como uma rede - como híbrido - não
sendo mais possível categorizá-lo como algo puramente técnico ou puramente social.
Para tal tarefa, a etnografia vem à tona como uma importante metodologia de
abordagem da rede.
Europa a partir do século XVII, e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua
influência” (Giddens, 1991: p.11). É o processo, além do modo de vida e formas de organização, em
que a ciência e a técnica são transformadas na principal força produtiva no campo do agir,
comandadas pelo desenvolvimento das forças produtivas.
11
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Oriunda formalmente da Antropologia Cultural do século XX, e inaugurada por
Malinowski
2
enquanto um método de inserção em campo e de descrição de culturas,
a etnografia é um método complexo de investigação, por meio do qual é estabelecida
uma relação dialógica entre investigador e investigado. Pesquisador e nativo”
conversam, falam, dialogam, tendo por pressuposto o trabalhar com pessoas, e por
que não, com objetos. Por isso a etnografia reside na imprescindibilidade da busca
por aquilo que Eduardo Viveiros de Castro denominou ‘diálogo para valer’ com o
Outro, sendo o conhecimento forjado justamente a partir dos resultados desse
diálogo.” (Frehse, 2011: 35).
Em termos metodológicos, o método etnográfico é diferente de outros modos de
fazer pesquisa qualitativa e segue alguns princípios específicos, como pesquisa de
campo conduzida no local em que as pessoas convivem e socializam; uso de técnicas
multifatoriais de coleta de dados; indução (descrição detalhada) e holismo, buscando
retratar da forma mais profunda o objeto em investigação.
Atualmente são várias as ramificações da etnografia. Grande parte delas é
resultado da sua difusão por diferentes áreas de conhecimento, reunindo geógrafos,
educadores, filósofos, sociólogos, economistas, administradores, etc., os quais
trouxeram para o campo, por exemplo, elementos de natureza intersubjetiva, em que
se passou a privilegiar aspectos empáticos e emocionais para a formação do vínculo
etnográfico entre pesquisador e pesquisado, dado que muitos pesquisadores nem
2
Em sua obra Argonautas do Pacífico Central, na qual retrata os resultados de sua pesquisa
antropológica no arquilago de Trobriand, na Nova Guiné, entre 1914 e 1918, Malinowski acentua
que “o objetivo fundamental da pesquisa etnográfica de campo é estabelecer o contorno firme e claro
da constituição tribal e delinear as leis e os padrões de todos os fenômenos culturais [...], o esquema
básico da vida tribal”. E isso implica levantar todos os fenômenos, e não fazer um inventário de coisas
singulares ou sensacionais (Malinowski, 1978: 24).
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sempre estão em um campo completamente novo e exótico, como pautava o
antropólogo norte-americano Clifford Geertz (Geertz, 1998). Nessa medida, para ele,
os antropólogos não estudariam as aldeias, mas sim nas aldeias (1983 apud Jaime
Júnior, 1996), sintonizando, assim, com o olhar para o affair antropológico de Evans-
Pritchard (1985), para o qual a antropologia remetia ao estudo de problemas, não de
povos.
Essa perspectiva da prática etnográfica como experiência intersubjetiva, mas
que requer ao mesmo tempo sólida formação teórica, como reiterava o próprio
Malinowski (1978), tem sido responsável por novos caminhos tamm nos estudos
das organizações. Estudiosos dessa área, como é o caso de Andion e Serva, apoiados
em alguns outros autores, argumentam a favor da etnografia “como mais do que um
método: como uma postura epistemológica perante o objeto e o contexto de
investigação” (Andion y Serva, 2006: p. 150), não seja o foco nesta pesquisa, é no
mundo organizacional que atua grande parte dos engenheiros. E esse mundo não é
permeado apenas pela “materialidade”, mas tamm por bens imateriais, bens de
natureza simbólica que nutrem o imaginário daquela coletividade, significados ou
representações que pautam o pensamento dos profissionais que desenvolvem
atividades práticas e interferem na própria produção dos bens materiais (Serva y
Jaime Júnior, 1995). Em tal acervo se incluiriam significados acerca do trabalho, êxito,
profissão, satisfação, normas, criatividade, desempenho, comunicação, finalidades da
empresa e da existência humana associada, cuja captura por uma etnografia das
técnicas decorrentes da atividade laboral poderia expandir não a visão dos
engenheiros pesquisadores, mas tamm ser apoderada como relatos e
interpretações por seus interlocutores do processo de investigação.
Importa aqui ressaltar que, para os Estudos Sociais de Ciência e Tecnologia
(ESCT), o uso da etnografia significou uma virada importante, pois contribuiu para o
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rompimento com as abordagens estruturalistas ligadas a Robert Merton (1973) e sua
sociologia da ciência
3
. Isso se deu a partir da década de 1970, quando um grupo de
cientistas, dos quais se destacavam Bruno Latour, David Bloor, Michel Callon, Barry
Barnes, Steven Shapin, Trevor Pinch, Pierre Bourdieu, Karin Knorr-Cetina, Harry
Collins, encampou um programa de estudos da ciência que levou em conta a produção
do conhecimento no seu núcleo mais duro” - o interior do laboratório (Knorr-Cetina,
1990; Latour; Woolgar, 1997; Sismondo, 2004). Essa virada marcou tamm o
crescimento dos ESCT nas últimas décadas como um campo disciplinar
institucionalizado, reorganizando seu foco em torno de estudos de caso e sugerindo
o paradigma socioconstrucionista como a nova paisagem dos estudos sociais em
ciência e tecnologia.
Nos ESCT, a partir de fins dos anos de 1970, a incorporação da etnografia como
método compôs parte importante desse movimento, quando foi adotada no estudo das
práticas científicas. Segundo Karin Knorr-Cetina (1983), ela mesma pioneira nessa
apropriação, a abordagem etnográfica de práticas científicas colaborou para abrir a
“caixa preta” do método científico. Ela cita, dentre as inovações trazidas por estudos
etnográficos da ciência, a abordagem construtivista do conhecimento científico e uma
reiteração do caráter contextual da sua prática. Enquanto a primeira tem sido relevante
nos debates acerca da ciência experimental como prática de construção de verdades
e de conhecimento, a segunda traz para o estudo social das ciências aquilo que a
circunda: o tempo-espaço no qual se inscreve.
3
A partir das perspectivas desenvolvidas por Merton, consolidadas nas décadas de 1950 e 1960, os
ESCT caracterizavam-se pelo estudo da estrutura, mudanças e organização da comunidade
científica, da cientometria e do papel dos cientistas na sociedade. A instituição científica era o mote
de tais estudos, e era consenso a alegação de que à sociologia não cabia o estudo do conteúdo do
conhecimento gerado.
14
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Assim, o estudo etnográfico do laboratório, em nosso caso dos engenheiros na
indústria, tornou-se uma ocasião para investigar a atividade científica e tecnológica
como uma prática social especialmente pertinente ao propósito de gerar informações
sobre os processos sociais de raciocínio e argumentação em geral. A observação dos
aspectos particulares da vida de laboratório” pôde oferecer sua contribuição teórica
mais efetiva: a de que a tecnologia não se distingue de outras práticas sociais, como
postula a epistemologia, em função de uma superioridade derivada da racionalidade
intrínseca a tal atividade (Latour y Woolgar, 2011).
Por isso tamm tem sido mais comum (Veloso et al., 2015) o desenvolvimento
de estudos etnográficos de empresas, a exemplo da pesquisa realizada por Christina
Garsten (1994) nos escritórios da Apple, que, em sua tese de doutorado, buscou
revelar as dinâmicas culturais no Vale do Silício, Paris e Estocolmo, conforme
expressas nas relações centro-periferia estabelecidas por organizações de tipo
transnacional
4
.
Pesquisas como essa vieram reforçar como o caráter simultaneamente
descontínuo e complexo dos contextos de trabalho tende a se acentuar nas empresas,
dada a sua natureza crescentemente global e fragmentada. Por sua vez, o engenheiro
que atua em organizações, como qualquer outro ator social, vai inescapavelmente
lançar mão de estratégias persuasivas que visam a garantir a aceitação dos
4
A pesquisa de Garsten está publicada em livro intitulado Apple World: Core and Periphery in a
Transnational Organizational Culture (1994). Na pesquisa, de caráter etnográfico, Garsten investigou
quais práticas e ideias influenciam na vida cotidiana do trabalho e como elas se relacionam com
influências da matriz ou da alta gerência, tendo em conta a extensão das relações sociais em um
mundo como um local único para conduzir negócios e uma preocupação crescente com questões de
identidade cultural, translocal e local.
15
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enunciados por ele produzidos. Por isso defende-se a premissa de que entender o
que é atuar como engenheiro hoje implica que os estudantes, junto com os
engenheiros em ação, estranhem um terreno “familiar”, com vistas à tradução” das
interseções aí produzidas, bem como da linguagem e das práticas do contexto social
do qual emergem as atividades de concepção e desenvolvimento de processos e
produtos.
Então a etnografia, como método para abordar essa complexidade, ganha
importância, tendo em vista que, na atualidade, a produção de conhecimento é algo
que se entre setores, áreas de conhecimento, organizações e redes (Hoholm,
2011). Ferramentas do método etnográfico aplicadas ao entendimento da atividade da
engenharia nas empresas, por sua vez, pressupõem que os atores sejam seguidos
pelos pesquisadores, movimento pelo qual se busca perceber como as ideias, o
conhecimento e o significado são gradualmente transmutados em atividades de
concepção e desenvolvimento de produtos.
Cabe, pois, ao estudante, engenheiro em formação, no acompanhamento
daqueles que são os profissionais em questão, ter a capacidade para seguir esses
atores, utilizando-se de tais ferramentas para identificar as suas intenções, estratégias
e compromissos e a forma como eles inscrevem significado nos seus materiais e nas
suas atividades (Hoholm, 2011), nos seus gestos, nas suas interações. Como os
processos são transmitidos e construídos na prática, é essa leitura que o estudante-
pesquisador precisa fazer, e cuja aplicação se descreve a seguir, a partir da
investigação empreendida.
O contexto de inserção da pesquisa
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Revista Redes 51 ISSN 1851-7072
Esta pesquisa foi realizada em quatro empresas localizadas no estado de Santa
Catarina, Brasil, mais precisamente, na Microrregião de Blumenau, da qual fazem
parte 15 municípios, a saber: Brusque, Gaspar, Indaial, Guabiruba, Luís Alves, Timbó,
Pomerode, Rio dos Cedros, Benedito Novo, Rodeio, Apiúna, Ascurra, Botuverá e
Doutor Pedrinho. A microrregião em questão, devido ao seu processo de colonização
durante o século XIX, inicialmente por alemães, seguidos de italianos e poloneses e,
posteriormente, por descendentes de portugueses advindos do vale do rio Tijucas,
possui costumes e tradições únicas. Localiza-se estrategicamente no nordeste de
Santa Catarina, estando próxima às principais cidades do Mercosul e de estruturas
portuárias.
A principal atividade econômica da região é a indústria têxtil, responsável por
fábricas de grande porte, que foram fundadas ainda no século XIX, a exemplo da
Companhia Hering e da Karsten. A relevância da indústria têxtil da microrregião pode
ser atestada em diversos âmbitos: na economia, na questão social, na inovação, no
papel fundamental que exerceu para o desenvolvimento da região.
Segundo os últimos dados compilados da Federação das Indústrias do Estado
de Santa Catarina (2017), o setor têxtil detém 54% das vagas da indústria, com 23,1
mil, o comércio varejista soma 42,7% dos postos de trabalho da área de serviços, com
20 mil, e lideram as estatísticas. Foi tamm estimado que a região é detentora de
36,8% de toda a produção nacional de artigos xteis, o que é uma margem bem
elevada, especialmente considerando o mero de grandes centros urbanos e a
dimensão territorial do Brasil. No mesmo ano, tamm se estimou que o faturamento
do setor foi de 45 bilhões de dólares.
Outra característica que torna essa região um dos polos mais fortes da indústria
têxtil é a distribuição de todas as atividades do setor no mesmo território. Enquanto,
em outros locais, a matéria-prima é extraída em um local, em Santa Catarina, todos
17
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esses estágios estão bem próximos. Os produtores de tecido estão próximos dos
criadores de matéria-prima, além de possuírem uma boa rede de distribuição. Isso faz
com que todo o processo seja mais direto e eficiente.
Além disso, a indústria têxtil catarinense é uma referência nacional e
internacional de qualidade e produtividade para todo o setor. Um bom exemplo disso
é o mercado chinês, que possui fortes laços com os produtos catarinenses. Porém, o
seu maior mercado consumidor internacional é a América Latina, com mais de 84%
de suas exportações destinadas aos países vizinhos.
Ainda cabe ressaltar que o estado de Santa Catarina, em especial a
microrregião de Blumenau, é uma das áreas que mais reúne especialistas na área
têxtil, tornando-a também um polo educacional para a indústria, sediando, inclusive, a
cada dois anos, a maior feira da indústria têxtil no Brasil - a Febratex.
As empresas investigadas
Dentre as quatro empresas pesquisadas, três eram xteis e uma de usinagem e
fundição. Uma das empresas têxteis estava localizada no município de Indaial, outra,
de Rio dos Cedros e a terceira, de Pomerode. A quarta empresa, da área de fundição
e usinagem, encontrava-se situada no município de Blumenau.
A empresa xtil da cidade de Indaial, de médio porte, era, desde 1994, uma
importante fornecedora de malhas e tecidos, composta por um parque fabril com
19.483 m² de área construída e capacidade de 680.000 kg/mês, com maquinários que
visavam à tecnologia e excelência das malhas. Essa empresa tecia, beneficiava e
expedia malhas na matriz, produzindo malhas com elastano das mais variadas fibras
naturais e sintéticas, tintas ou estampadas.
A segunda empresa, localizada na cidade de Rio dos Cedros, existia 23
anos. Tratava-se de uma empresa de beneficiamento têxtil, com foco na tinturaria e
18
Revista Redes 51 ISSN 1851-7072
estamparia digitais em fibras celulósicas, sintéticas e modificadas artificialmente. Até
2017, oferecia apenas o serviço de tinturaria, passando, a partir daquele ano, a prestar
o serviço de estamparia digital, que, no momento da coleta de dados, era o seu filão
mais lucrativo. A capacidade instalada da empresa era de 450 toneladas de
tingimentos e 120.000 metros de estamparia digital, contando com 212 colaboradores,
dos quais 9 eram menores aprendizes e 3, deficientes físicos.
A empresa de Pomerode, também de médio porte, estava no mercado desde
1985 e produzia confecções para o vestuário infantil. Contando com cerca de 1,8 mil
colaboradores e produzindo cerca de 18 milhões de peças por ano, constituía uma
das maiores empresas do município. Distribuía seus produtos em cerca de nove mil
pontos de vendas multimarcas em todo o Brasil e exportava para mais de 25 países.
Em 2019, a empresa passou a produzir também os fios com os quais eram feitas
as suas peças. Resultado de um investimento de R$ 40 milhões, a criação da fiação
própria resultou na geração de cerca de 100 novos empregos diretos.
Por fim, a empresa de fundição e usinagem, localizada no município de
Blumenau, dedicava-se ao fornecimento de peças em aços carbono e ligadas (baixa,
média e alta liga) e em ferros ligados para aplicações especiais, em bruto ou usinadas,
isoladas ou com características de prestação de serviços para soluções de engenharia
em partes de subconjuntos e, ainda, como complementos de equipamentos. Sendo
uma marca de referência global e situando-se entre as maiores empresas brasileiras
19
Revista Redes 51 ISSN 1851-7072
em seu segmento, exportava para mais de 25 países. Nas últimas duas empresas,
dois dos alunos pesquisadores estavam realizando seus estágios.
Procedimentos metodológicos
Por tratar-se de uma pesquisa de campo qualitativa, a coleta de dados foi iniciada nas
quatro empresas anteriormente descritas da Microrregião de Blumenau (três
empresas têxteis e uma de fundição e usinagem), mas foi efetivamente realizada e
concluída apenas nas três do setor têxtil, mediante a utilização das técnicas de
questionário, entrevista, visita monitorada e uma aproximação introdutória ao método
etnográfico em uma delas, cujo instrumento principal foram diários de campo. Tomou-
se por pressuposto metodológico que é pelo trabalho no campo de atuação desses
profissionais, no caso, três engenheiros e uma estagiária de engenharia, que se pode
chegar às subjetividades e às dimensões mais relevantes dos objetos de estudo.
Nesse sentido, entendeu-se que a realização de uma “aproximação” à
etnografia, centrada na produção de conhecimento, passaria por investigar as
estratégias de associação e dissociação que ligam “os instrumentos (computadores,
sistemas operacionais, linguagens de programação), os colegas (analistas de
sistema, programadores, engenheiros), os aliados (Estado, revistas especializadas) e
o público (usuários, consumidores)” (Spiess y Mattedi, 2010), tentando, ao mesmo
tempo, não perder de vista a “heterogeneidade interna das organizações e contextos
de trabalho, as tensões e os espaços de poder, negociação e autonomia que se
intersectam” (Durão y Marques, 2001 apud Veloso et al., 2015).
Concebeu-se tamm que a utilização de ferramentas do método etnográfico
seria mais pertinente a uma abordagem qualitativa, a qual visaria, conforme Moraes
(2006, p. 14), a “[...] chegar à compreensão dos fenômenos e problemáticas que
20
Revista Redes 51 ISSN 1851-7072
investiga examinando-os no próprio contexto em que ocorrem”, enfatizando “os
sujeitos pesquisados independentemente das teorias que sustentam a descoberta
(Marconi y Lakatos, 2017).
A investigação pautada na pesquisa etnográfica foi tamm eleita tendo em
vista que não se nutre da generalização, nem da tipificação, mas da caracterização
do respectivo grupo em um cenário específico. Importa igualmente destacar uma
consideração feita por Gil (2019), que corrobora a adoção dessa abordagem, de que,
atualmente, a maioria das pesquisas etnográficas o se tem voltado para o estudo
de culturas como um todo, mas realiza-se no âmbito de unidades menores, como
empresas, escolas, hospitais, clubes e vale-se de uma ampla multiplicidade de
técnicas, tais como entrevistas, observação, análise de artefatos físicos e de
documentos. Isso serve para justificar, portanto, a escolha tamm dessa abordagem
metodológica em nossa investigação.
Com vistas a atender aos objetivos aqui pautados, os três estudantes bolsistas
e as duas estudantes estagiárias, antes de adentrarem o campo, foram familiarizados
com o referencial teórico e os conteúdos relativos ao projeto da pesquisa em foco e à
perspectiva sociotécnica, qual seja, ao campo dos Estudos sociais da ciência e da
tecnologia, devendo, para tanto, terem cursado a disciplina “Ciência, Tecnologia e
Sociedade”. Por conseguinte, para empreenderem a investigação, os cinco
estudantes, e mais particularmente as duas estagiárias que atuaram nas duas
empresas, foram introduzidos aos métodos de investigação, observando as quatro
etapas de desenvolvimento a seguir:
a) Preparação: Uma preparação adequada do processo de identificação de requisitos
foi fundamental para o seu sucesso. Assim sendo, primeiramente buscou-se, por meio
de entrevista e visitas técnicas às empresas, colher dados sobre a sua política
organizacional e sua cultura de trabalho. Tamm se buscou familiarizar os
21
Revista Redes 51 ISSN 1851-7072
estudantes com a história de tais empresas, para, posteriormente, estabelecerem os
objetivos iniciais, elaborarem questões e obterem acesso e permissão para realizarem
entrevistas e observações com os engenheiros e profissionais com os quais eles se
relacionavam no cotidiano de seu trabalho.
Uma das condições básicas dessa etapa inicial consistiu em uma preparação
teórica, não apenas na área de conhecimento ou mediante uma revio bibliográfica,
mas também em pontuar a experiência prévia do investigador no campo de pesquisa
(Andion y Serva, 2006). O caráter “introdutório” referido anteriormente ao processo
etnográfico decorre do fato de que todos os pesquisadores estavam iniciando na
vivência da etnografia como estratégia metodológica.
Foram pesquisadas e descritas as histórias das quatro empresas que
constituíram o campo de investigação dos estudantes, buscados os contatos e
agendadas datas para as inserções em campo. Dois bolsistas foram responsáveis
pelo desenvolvimento da pesquisa na empresa de Indaial, acompanhados, no trabalho
de campo, pelas professoras orientadoras, um bolsista na empresa de Rio dos
Cedros, uma estagiária na empresa de Blumenau, mas cuja atuação, como
anteriormente apontado, foi breve e, logo depois do início, interrompida, e a outra
estagiária, na empresa de Pomerode, com durão aproximada de 480 horas,
realizando o esforço de aproximação com a prática da pesquisa etnográfica.
b) Estudo: Esta é a principal fase do processo de coleta, onde se realizou o
contato direto com os atores que foram o objeto do estudo. Para tanto, os estudantes
foram orientados a estabelecerem empatias
5
, para, então, realizarem as observações
5
Tomando a perspectiva da etnografia dialógica (que supõe registrar os diálogos entre o etnógrafo e os
seus informantes) e polifônica (que pretende que a voz do etnógrafo não seja a única, podendo ser
inclusive desmentida pela transcrição das falas de seus informantes) (Geertz, 1998), entende-se
22
Revista Redes 51 ISSN 1851-7072
por meio de questionários, entrevistas e de visitas monitoradas
6
, recolherem dados
objetivos e subjetivos de modo quantitativo e qualitativo e a seguirem todas as pistas
que surgissem durante as visitas, registrando-as.
Esta etapa pressupôs negociações constantes com as empresas pesquisadas
e iniciou com a aplicação de entrevistas semiestruturadas
7
com os engenheiros de
duas das empresas e visitas técnicas aos espaços de produção das mesmas,
propiciando que os estudantes, posteriormente, viessem a contribuir com as
empatia como a formação do vínculo etnográfico e da formação da intersubjetividade, tendo-se em
vista que as relações humanas constituíram-se enquanto elementos fundamentais para a viabilidade
dessa pesquisa de campo, já que, para compreenderem a alteridade, seu meio e sua matéria-prima,
os pesquisadores não se encontravam em um campo completamente novo e exótico. Ao contrário,
aqui, os pesquisadores estiveram em uma situação de pesquisa em que o apenas interagiram com
o “objeto”, como também com e como seres humanos imersos em universo intersubjetivo de relações
humanas. De um lado, os pesquisadores precisaram de treinamento e familiarização quanto à pesquisa
e ao método etnográfico, de outro, o empreendimento dependeu do estabelecimento de ligações
emocionais e relações de reciprocidade para lhes dar acesso ao universo de práticas, concepções e
experiências dos “nativos”. Foi isso que viabilizou o uso de entrevistas, de questionários, de gravações
de áudio, de imagens, assim como de informações mais restritas.
6
As visitas monitoradas consistiram de visitas técnicas aos espaços produtivos e administrativos das
empresas, devidamente acompanhadas pelos engenheiros entrevistados em datas anteriores,
buscando compreender as suas práticas concretas e exercer uma espécie de observação participante,
registrando-as por gravações e anotações dos estudantes pesquisadores e das professoras.
7
O roteiro foi traçado mediante propostas dos três bolsistas e das pesquisadoras, com base num intenso
diálogo com a teoria e com metodologias de estruturação de questionários, entrevistas e diários de
campo.
23
Revista Redes 51 ISSN 1851-7072
professoras na elaboração de um diário de campo
8
abrangente para a coleta dos
dados nas duas outras empresas inicialmente mapeadas.
Coube, portanto, a esses estudantes e, de modo particular, à estagiária que se
inseriu em uma das empresas xteis para a experiência mais etnográfica, proceder à
anotação de todo tipo de impressões e significados atribuídos pelos atores, assim
como a descrições detalhadas dos ambientes, das pessoas com que entraram em
contato e das que foram observadas, das rotinas, da diversidade de espaços laborais
e da compreensão da sua relação com a organização do trabalho, do conteúdo e das
formas de interação, visando a também potenciar o uso e a análise dos espaços físico
e social para a compreensão dos processos de concepção e desenvolvimento de
processos e produtos.
Os primeiros passos para a efetivação desse trabalho de campo, que durou de
novembro de 2018 a dezembro de 2019, construíram-se a partir do uso de diferentes
ferramentas e estratégias de investigação, com centralidade na apreensão das
práticas do engenheiro, mas considerando-se sua relação com outros profissionais,
como gerentes de marketing ou produção, funcionários ou clientes, governos e
instituições financeiras, assim como com os atores não humanos.
Na sequência da coleta de dados, buscou-se observar e registrar as rotinas
diárias, reuniões de trabalho, eventos promovidos pelas empresas e laboratórios, no
que tangia às atividades de concepção e desenvolvimento de processos, com vistas
a entendermos mais aprofundadamente a complexidade sociotécnica do trabalho dos
8
O roteiro dos diários de campo envolveu os três bolsistas na elaboração realizada pelas professoras,
tendo sido aplicado pela estagiária da empresa de Blumenau apenas de forma inicial e pela estagiária
da empresa de Pomerode durante todo o seu estágio. Tal instrumento buscou contemplar as atividades
diárias exercidas, equipamentos utilizados, agentes sociais envolvidos, produtos gerados, percepções
das ações e interações realizadas e constatações acerca da ação técnica.
24
Revista Redes 51 ISSN 1851-7072
engenheiros. Também foram recolhidas informações sobre os membros implicados
nas atividades e projetos das empresas, sobre a dinâmica organizacional, eventos
públicos, estratégias de inovação e desenvolvimento, entre outras questões
pertinentes ao intuito da pesquisa.
Para o desenvolvimento dos estudos, foi levado em conta o contexto em que
se inseriam. Como se adentrou no território das empresas, sabia-se das
recomendações e cuidados a observar. Para tanto, nossa entrada deu-se obedecendo
a procedimentos formais de encaminhamento de ofício com as solicitações devidas,
anexando o projeto de pesquisa. A pesquisa iniciou com o consentimento prévio
das empresas, formalizadas em cartas de aceite, assim como as entrevistas, em
acordos de confidencialidade.
Os relatos de caráter mais etnográfico, efetivados pela estagiária anteriormente
apontada na empresa de Pomerode, por sua vez, seguiram essa mesma rotina e, por
isso, não foi identificado o nome da empresa em que ela realizou o estágio. Para a
apreensão do trabalho dos “engenheiros”, foram consideradas as proposições de
Caria (1999), de que a entrada do “etnógrafo” na unidade de pesquisa deve obedecer
a um processo formal e institucional: um horário de trabalho, autorização de entrada
e circulação no terreno de pesquisa restrito à atividade profissional dos funcionários
da empresa.
c) Análise: Os três estudantes bolsistas, devidamente orientados, buscaram
extrair algumas sínteses das observações durante as entrevistas e visitas monitoradas
e dos diários de campo da estagiária e, dessa forma, compilaram alguns dos dados
recolhidos em uma planilha sistematizada. Para esta etapa, os diários de campo
tiveram papel fundamental como fonte de dados, ao procurarem refletir o trabalho no
cotidiano nas empresas. Em paralelo, as entrevistas e visitas monitoradas também
25
Revista Redes 51 ISSN 1851-7072
foram material relevante, complementando o acervo dos relatos e observações
empreendidos pela estudante estagiária.
d) Especificação: Nesta última fase, a partir da compilação da informação
recolhida e arquivada, as professoras orientadoras, subsidiadas pela planilha
mencionada e pelas transcrições das entrevistas realizadas pelos estudantes
bolsistas, procederam às análises, redigiram o relatório e o artigo científico submetido
a esta revista, discutindo com os três bolsistas o texto resultante e acatando eventuais
sugestões de alterações deles advindas. Os estudantes haviam realizado uma
comunicação pública preliminar em evento da universidade, com os dados ainda não
plenamente coligidos, preparando-se, assim, para apresentações futuras em
congressos da área, uma vez devidamente pautadas as conclusões da pesquisa.
Resultados
Os resultados aqui apresentados provêm das análises das entrevistas e questionários
aplicados pelos bolsistas e dos diários de campo da estagiária. O que se apresenta é
o alinhavamento do uso da etnografia, e de ferramentas correlatas, como estratégia
de descrição do desenvolvimento de processos e produtos em empresas, naquilo que
tangencia o trabalho dos engenheiros. Para tanto, as análises dos resultados dessas
interações foram arroladas por empresas pesquisadas, cruzando-se com as
ferramentas metodológicas aplicadas.
Dessa forma, compilou-se, no primeiro bloco, a análise dos dados coletados
em duas das empresas por meio das entrevistas realizadas com engenheiros e das
visitas monitoradas. Uma, na empresa de beneficiamento têxtil (com foco em tinturaria
e estamparia digital), localizada no município de Rio dos Cedros (E1), e a outra, na
empresa têxtil de malhas esportivas, localizada no município de Indaial (E2).
26
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Na sequência, apresentou-se a sistematização dos dados dispostos nos diários
de campo da estagiária da empresa têxtil da cidade de Pomerode (E3). Como os
dados referentes à empresa de Usinagem e Fundição localizada no município de
Blumenau (E4) foram muito preliminares, como anteriormente mencionado, mesclou-
se o que foi nela coletado nas considerações a respeito do trabalho mais geral dos
engenheiros das quatro empresas pesquisadas.
Análise dos dados coletados nas E1 e E2 Entrevistas e visitas
monitoradas
Os dados coletados nestas duas empresas foram obtidos por entrevistas e visitas
monitoradas. As entrevistas foram gravadas e tiveram por objetivo capturar elementos
que levassem à compreensão do trabalho do engenheiro na empresa quanto à rede
de relações sociotécnicas que ali se estabeleciam e quanto à sua performance, ou
seja, ao que era efetivamente gerado por sua atividade (Vinck, 2013).
Assim, elencaram-se como questões principais, além dos dados gerais da
empresa e do profissional, a função e atuão do profissional na empresa a partir de
elementos como: setor em que operava, atribuições, relação área de formação/área
de atuação, relação conhecimento de formação/trabalho atual, habilidades,
dificuldades, planejamento, mecanismos e estruturas de relação entre pares, tomadas
de decisão, comunicação, capacitação, liderança, conflitos éticos, processos de
inovação, trabalho em equipe, sustentabilidade e redes sociotécnicas formadas.
As visitas monitoradas serviram como suporte aos dados coletados na
entrevista, uma vez que, por intermédio delas, os dois bolsistas, acompanhados das
professoras na empresa E2, e o terceiro bolsista, responsável pela E1, devidamente
guiados pelos engenheiros alvo da pesquisa, visitaram todos os ambientes da
empresa por onde estes profissionais transitavam e atuavam diariamente, colhendo
27
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impressões que não necessariamente estavam reveladas nas entrevistas. As visitas
funcionaram como uma observação de campo, entretanto distanciada, tendo em vista
que os bolsistas não estagiavam nessas empresas.
Desse modo, os dados foram coletados de um engenheiro têxtil da E1, com
MBA em Gestão de pessoas e coaching e atuando no setor produtivo, e de um
engenheiro têxtil e de uma engenheira têxtil da E2, o primeiro na área de
Desenvolvimento de produtos, e a segunda com s-graduação em Gestão
estratégica e trabalhando no Controle de qualidade.
Planejamento nas empresas e processos decisórios
Todos os três profissionais possuíam em torno de doze a quatorze anos de
experiência de trabalho como engenheiros. As empresas, em seu relato, adotavam
protocolos para as instruções de trabalho e realizavam planejamentos estratégicos,
com monitoramento de indicadores e direcionamento para resultados, com metas
globais e setoriais, conforme retratou a engenheira da E2:
A gente tem as instruções de trabalho na produção, elas descrevem a fuão e as
operações que eles devem executar, e tem situações do tipo: se acontecer tal
coisa, é isso que tem que fazer. Então tem essa flexibilidade, ah, e se não está
descrito lá, chama-se um supervisor, porque é por isso que ele está lá, para esses
imprevistos (Entrevista 2 - E2).
No caso da E1, essas metas tinham uma temporalidade mais sujeita às oscilações do
mercado, pois, como alegou o engenheiro entrevistado, “trabalhamos para terceiros,
e não temos o domínio de quanto nossos clientes irão produzir” (E1); diferentemente
da E2, na qual tais metas eram traçadas semestralmente, mas resguardando uma
visão humanística em relação aos funcionários.
28
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O processo decisório ocorria numa cadeia de comando mais vertical na
empresa E1, cuja comunicação era implementada por meio dos líderes e
supervisores. A inovação de produtos estava sujeita à exigência do cliente, e a
inovação de processo era condição necessária para melhor performance, economia
de gastos e geração de lucros, da mesma forma que a inovação de maquinários e
equipamentos.
Na E2, a linha de comando e decisões era mais horizontal, de forma
compartilhada, onde as opiniões discordantes tamm tinham voz. A comunicação
ocorria por e-mails, murais, telefonemas, reuniões periódicas e aplicativos de
mensagens, reuniões dos supervisores com o pessoal da produção, e existia um
grupo de inovação e melhoria, que aglutinava profissionais de vários departamentos
e áreas e exercia um papel estratégico no intuito de potencializar e inovar processos
e produtos.
A bagagem acadêmica e as demandas requeridas na ação técnica
Indagados sobre a relevância dos conhecimentos apreendidos na universidade, os
engenheiros da E2 alegaram que o conhecimento técnico mais geral, como os
conhecimentos em física, matemática, química, etc., alargou a capacidade de
raciocínio lógico, de racionalização e o desenvolvimento pessoal. Contudo, os
conhecimentos técnicos têxteis mais específicos (fiação, tecelagem, titulagem direta,
beneficiamento, confecção, dentre outros) eram os mais usados no cotidiano do
engenheiro:
Conhecimento cnico têxtil o mais utilizado], a parte de engenharia abriu a
cabeça [relato da engenheira]. Quando a gente está na parte têxtil tem a disciplina
de fibras, fio, titulagem direta, beneficiamento, qual corante eu vou utilizar, qual
processo, então está no dia a dia da empresa [...] Hoje a parte técnica, toda aquela
29
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teoria que a gente viu na questão [...] do beneficiamento da tecelagem, entre
outros, é que é utilizada. Mas o que a gente vê é apenas uma pincelada do que é,
agora, no dia a dia do parque fabril é que a gente vê a real utilização desses
conhecimentos, a prática; quando a gente em sala de aula,não tem o fator
humano, que é decisivo hoje, que pode tornar o processo fácil ou difícil [relato do
engenheiro].
As áreas de gestão da qualidade e gestão de pessoas e de equipes de trabalho foram
indicadas por eles como deficientes na universidade ou nem foram ministradas; a
experiência profissional e cursos de qualificação posteriores é que vieram agregando
bagagem a esses campos. Da mesma forma, o maior contato direto com o universo
produtivo e mais experiência prática durante a formação acadêmica teriam sido
necessários, com as variáveis dos fatores humanos que podem facilitar ou dificultar
os processos fabris, o que também foi reiterado pelo engenheiro da E1, para o qual
faltou “a proximidade da prática do dia a dia produtivo” (E1). Para ele, conhecimentos
de organização e de alguns processos produtivos aprendidos na universidade eram
os mais utilizados em seu atuar cotidiano.
A ética: ferramenta ou discurso na atuação dos engenheiros?
Acerca de questões éticas, todos os engenheiros foram unânimes em afirmar a
existência de um código de ética em sua empresa. O engenheiro da empresa E1 listou
alguns dos aspectos desse código, que constituíam ferramentas aplicáveis no
cotidiano de sua empresa: respeito com o próximo, cooperação com os demais
funcionários, divulgação de conhecimentos que pudessem melhorar o desempenho
das atividades de outros, respeito à hierarquia dentro do ambiente laboral. Diante de
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Revista Redes 51 ISSN 1851-7072
conflitos de natureza ética, ele se apoiava nos valores da empresa, no levantamento
das premissas que levaram ao fato e, se fosse o caso, acionaria seus superiores.
Para os engenheiros da empresa E2, o código de ética era bem forte,
independentemente do cargo; constituía um dos valores da empresa, a qual cultivava
um olhar voltado para as pessoas” (E2), de acordo com a engenheira informante.
Diante de posturas éticas das quais discordava, ela tomava posições firmes, com
autonomia para resolver problemas de tal natureza e, nessa empresa, nunca fora
induzida a maquiar indicadores. O outro engenheiro relatou ter por prática informar o
seu superior sobre problemas de uma forma geral, na busca de analisarem juntos
possíveis soluções. Frente a alguma divergência de caráter ético, que não havia,
contudo, vivenciado na empresa, buscava ouvir os envolvidos, averiguar a ocorrência
de algum lapso voluntário ou não, e resolver, apurando as responsabilidades.
A complexidade sociotécnica no cotidiano da engenharia
Na esteira da coleta de dados na empresa E2, o acompanhamento de uma parte da
rotina diária da engenheira informante, que atuava na área de controle da qualidade,
tornou possível descobrir mais detidamente a complexidade de sua ação cnica e
das cadeias de associações que a embasavam, desde o fornecedor de fios
(fundamental nos processos também de inovação que a empresa alavancava) até o
cliente final diamante ou ouro ou de menor porte
9
, passando pelos trabalhadores do
chão de fábrica, tecelões, técnicos de produção, técnicos administrativos, técnicos de
laboratório, engenheiros de várias modalidades, administradores, analistas de
9
Segundo esclarecimento da engenheira informante, a empresa fazia a caracterização de clientes,
categorizando-os segundo critérios próprios, que envolviam capacidade de compra, negociação, etc.
Os principais clientes recebiam uma gradação mais elevada: diamante, seguida pelo cliente ouro.
31
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diversas áreas, supervisores, inspetores da qualidade, diretores, representantes, a
máquina de puxamento de fios, a máquina de estamparia digital e a máquina rama
(mais recentemente adquiridas), a máquina de secagem, o código de ética da
empresa, os fios de poliamida importados, em geral, da Ásia, o marketing, as fichas
técnicas.
No setor de controle da qualidade dessa empresa, pôde-se observar onde a
engenheira chegava pela manhã e como dava início a sua rotina de trabalho: verificar
com a supervisora os rolos de malha que ficaram interditados, ou por estarem fora de
cor ou com algum problema, que poderia ser uma quebra, um furo, uma mancha, um
buraco ou outro defeito que obrigava a segregar aquele lote. As tratativas com os
colaboradores do setor começavam, as urgências primeiro. Percebeu-se, então, que
os protocolos dos processos produtivos, relatados na entrevista, não eram suficientes
para barrar as interdições dos rolos de malha.
Uma das causas poderia ter advindo da tinturaria: o padrão de cor não fora
atingido para aquela malha preta, então o lote ficava parado aguardando uma análise
e decio sobre seu próximo itinerário. Seria reprocessado ou classificado como de
segunda qualidade? Avaliar-se-ia o tamanho do lote, o tamanho do defeito, não havia
um padrão exato. Cuidados suplementares tamm se impunham em certos casos,
relativos a conflitos éticos diante da manipulação de um indicador por algum
funcionário: por exemplo, na extração da amostra de rolos que não haviam sido
liberados pelo controle de qualidade, retirava-se uma parte mais intacta, mas um olhar
arguto da engenheira para o todo do rolo apontava realmente as imperfeições daquela
malha.
A agenda da engenheira incluía ainda reuniões para testes de novos produtos.
Quando setores da engenharia discordavam, novos testes eram solicitados pela
32
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gestão da qualidade, buscava-se prevenir problemas futuros e direcionamento da
produção.
De um projeto de estamparia digital localizado participavam a engenharia, o
marketing, a qualidade. A estamparia digital era um setor específico. As peças
chegavam em sacos pretos, pois não poderiam receber a incidência de luz; um
processo longo: vaporização para fixação da cor com determinada temperatura;
análises laboratoriais para se avaliar o deslocamento da cor, testes de encolhimento
das malhas, grau de elasticidade, etc.
O cronograma de visitas a clientes e/ou representantes complementava as
pautas daquele dia. Muitas vezes, a reclamação de um cliente requeria uma ida
pessoal, alguns demandavam testes específicos para os seus produtos. Às vezes, no
Rio de Janeiro, outras vezes no Nordeste, treinamento de representantes,
acompanhamento, se necessário, do cliente em sua cadeia produtiva, um diferencial
importante, particularmente para os maiores compradores.
A rede de relações do processo produtivo e a ação técnica do engenheiro
percorriam, pois, o armazenamento do fio, no mais das vezes vindo da China ou de
Taiwan, trabalho de muitas mãos, regras de importação, comércio internacional,
navios, containers, testes por amostragem dos fios de poliamida. Pudemos conhecer
um pouco da produção da malha, seu corte em lotes, a separação desses lotes e
encaminhamento para a tinturaria ou estamparia.
Da tinturaria seguiria para a máquina de secagem, nova etapa de cortes,
análises físicas e sensoriais, separação de lotes e, caso houvesse rejeição de algum
deles, novos testes no laboratório de análise de qualidade, de onde partimos. Da
estamparia digital, a malha poderia seguir para a máquina de secagem ou para uma
unidade em outro município. Engenheiros atuavam em todos os setores da empresa:
produção, químico, marketing, qualidade, desenvolvimento de produtos e processos.
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Todavia, em várias circunstâncias, caberia uma reflexão: a racionalidade formal
ou instrumental (Weber, 1999), sob a qual se pautam as ações com vistas ao alcance
de fins preestabelecidos e que norteia as atividades nas empresas industriais,
acentuadamente no âmbito da acirrada disputa a nível nacional e mundial por
mercados, poderia falhar? Algumas análises de lotes envolviam feeling, uma
sensibilidade dos inspetores de qualidade (e da engenheira do setor), o que requer
tempo de experiência, tempo de aprimoramento da capacidade perceptiva, que não
advém das máquinas, das programações, mas do humano.
Assim, a configuração da rede de relações entre objetos materiais e atores
humanos que compõe o trabalho técnico do engenheiro, e expressa pela interlocutora
e guia da visita monitorada ao se referir ao contato direto com clientes, iluminou o
caráter contingente do artefato gerado, síntese de operações sistemáticas de trabalho,
de articulações negociadas, enfim, da construção de ações coletivas:
Então eu vou entender se o cliente está tendo alguma dificuldade, vou ver se ele
teve alguma reclamação, vou entender se está tudo bem, mas o que pode
melhorar, e, principalmente, mostrar que, olhe, a gente está aqui porque a gente
se preocupa com vocês, aquela coisa de não estarem sozinhos [relato do
engenheiro].
A análise dos dados coletados nas entrevistas e na visita guiada, em ambas as
empresas, apontou a relevância, na prática concreta do engenheiro, do trabalho em
equipe, de decisões compartilhadas e participativas, de comprometimento e respeito
aos valores da empresa, de desenvolver habilidades e competências de liderança,
persuasão, negociação, relacionamento interpessoal, gestão orçamentária e gestão
de pessoas (cuja maior dificuldade é a quantidade de variáveis subjetivas implicadas),
conhecimento técnico, inclusive sobre matérias-primas. Foi também acentuada a
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importância da bagagem advinda da experiência obtida em estágios profissionais
durante a graduação e de assumir os desafios de um constante processo de
aprendizagem e atualização, muitas das vezes baseados em conhecimento tácito.
Análise dos dados coletados na E3 Diários de Campo:
A pesquisa etnográfica, como anteriormente reiterado, tem como particularidade
exigir do pesquisador um acompanhamento diferenciado, por meio do qual se cria
uma familiaridade com o ambiente de observação, ou seja, mantém-se um contato
periódico com o ambiente em que ocorre o fenômeno a ser investigado. Desse modo,
foi possível ter uma maior compreensão dos aspectos vivenciados pelos sujeitos e do
contexto estudado.
Mediante a análise dos diários de campo da estagiária no setor de estamparia
localizada, na área de engenharia de produto da E3, e partindo da suposição de que
os objetos e processos técnicos, no caso, atrelados à estamparia, continham uma
parcela da realidade humana, duas categorias foram elencadas e analisadas em
relação à sua ação técnica: a dimensão operativa das atividades desenvolvidas e a
dimensão interativa.
A dimensão operativa:
As atividades desenvolvidas durante o estágio de quatro meses objetivavam realizar
estudos para estipular todas as variáveis que poderiam impactar no consumo de
pastas para a estamparia localizada
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, em outros termos, o quanto o tecido absorveria
de pasta ao ser estampado.
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A estamparia têxtil é o processo que permite aplicar desenho no tecido, utilizando-se espessantes
sintéticos ou naturais para a formulação de pastas.
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O plano de atividades compreendia: identificar as variáveis do processo;
realizar testes de estamparia localizada para aferir o consumo de pastas, devidamente
ancorados nos lastros
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dos quadros e baldes (dever-se-ia pré-determinar uma
quantidade mínima de sobras nos baldes e nos quadros após a produção das
estampas); determinar o padrão de cálculo; formatar planilhas de consumo de pastas;
desenvolver um banco de dados que fornecesse o consumo de pastas em g/cm2 ou
kg/m2.
Dentre os testes realizados para implementar o plano de atividades
destacavam-se: teste de secador; quantidade de pigmento e viscosidade da pasta;
velocidade de estampar e consumo efetivo de cada pasta. A eles somavam-se os
equipamentos, como as máquinas de estampar, as variáveis de processo, desde a
matéria-prima dos tecidos a serem estampados e a regulagem das máquinas até a
área de cobertura das estampas, além dos tipos de pastas, das características dos
quadros utilizados para as estampas, das fichas técnicas dos tecidos, das planilhas
de Excel com os resultados dos testes, das equações projetadas para a produção da
estamparia, relativas ao consumo de pastas, dentre outros tantos elementos.
Na sala de pastas, onde ficavam os quadros, a balança e o material utilizado
nos testes, existia um operador. A máquina de testes tinha outro operador para seu
manejo, e a gravação de quadros era realizada por um terceiro operador, sendo as
funções de cada um deles bastante definidas e excludentes. Somavam-se a eles os
operadores do laboratório, que preparavam as pastas, o menor aprendiz e demais
funcionários do escritório da estamparia, os funcionários do setor de enfesto e corte e
do setor de recursos humanos, os responsáveis pelo estoque de tecidos, as outras
duas estagiárias, uma delas na estamparia, mas com funções distintas, os gerentes,
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Lastros são as sobras e perdas de pastas durante e após o processo.
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diretores, analistas do setor de melhoria contínua, o cronometrista da engenharia, a
equipe de tecnologia da informação.
Denotam-se, a partir daí, os elementos de composição de uma rede
sociotécnica, cujo princípio ordenador requer que seus “conteúdos” (termo tomado de
Latour, 2011: 20) ou “objetos” humanos e não humanos sejam encadeados aos seus
contextos sociais, o que remetemos, no excerto a seguir, à sua dimensão interativa.
A dimensão interativa
As reuniões semanais mantidas pela estagiária acerca do andamento de seu projeto
e da avaliação dos resultados dos testes obtidos ocorriam com uma periodicidade
semanal, e nelas se definiam os passos seguintes. Os atores envolvidos eram a
coordenadora e o analista que a acompanharam durante os quatro meses de estágio,
sendo que a ocasional ausência de um deles resultava na suspensão da reunião.
As interações mais recorrentes que foram compondo a rede associativa da
estagiária incluíam também: o operador do estoque de pastas, para obter as
quantidades necessárias para realizar os testes; o operador da máquina de testes, até
que ela mesma passou a operar a própria máquina sozinha, movida subitamente”
pela exoneração desse operador da empresa; o operador da gravação de quadros,
que, em certo momento, teve que regravar duas vezes um quadro “perdido”
(lembrando que cada quadro remetia a um teste diferente), todos no setor de
produção, por onde, muitas vezes, circulava acompanhada pelo analista, cujo lócus
era justamente na produção, monitorando, pelo menos, três projetos, com diferentes
estagiários.
O acompanhamento de ‘artigos’ que entravam para a produção na máquina de
estampar implicava adotar todos os procedimentos de pesagem dos materiais para
posterior análise e controle dos parâmetros obtidos, alvo principal da ação cnica
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proposta à estagiária, com vias de contribuir para a implementação de um software
capaz de antecipar com mais solidez quantitativos de pastas e custos. Todavia, nem
sempre o sistema de gerenciamento do setor produtivo mantinha as fichas técnicas
dos tecidos atualizadas, como sinalizou em seu diário de campo:
Quando encontrei um produto, fui buscar a ficha técnica dele, e não a estava
encontrando na produção. Fui até a responsável pelas fichas técnicas, e ela me
informou que não iriam produzir por enquanto, pois a ficha técnica havia ido para
alteração. Mas no sistema dizia que estava pronto para produzir. Isso é um erro
recorrente ali; as pessoas esquecem de atualizar a situação do artigo no sistema
(Entrevista 3 E3).
Algumas vezes, ocorriam divergências de definições entre líderes dos turnos de
trabalho, sendo tamm, repetidamente, impossível para a estagiária realizar os
testes, por estar a máquina de testes ocupada pelos operadores.
Os registros nos diários de campo possibilitaram inferir que as relações
interpessoais, a partir do limitado visor do setor de produção de estamparia localizada,
bem como as relações com os atores não humanos, como máquinas, equipamentos,
ferramentas, etc., circunscreviam-se às necessidades e ritmos do funcionamento das
operações produtivas, sob uma forma de gestão mais verticalizada. Os equipamentos,
maquinários e operações de trabalho e os elos construídos em torno deles refletem,
em parte, a própria identidade de uma empresa.
Cruzando as análises de dados das E1, E2 e E3:
Ao considerarmos as análises relativas às entrevistas e visitas dirigidas nas E1 e E2,
somadas à etnografia embrionária realizada na E3, observa-se que tanto a produção
da malha da linha fitness quanto a estamparia localizada são nós de redes. Esses nós
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estão conectados a inúmeros outros elementos cnicos, por sua vez, ligados a
pessoas e grupos sociais diversos, como inspetores da malha produzida, do corte e
das análises de qualidade, engenheiros, tecelões, técnicos, analistas, operadores de
máquinas.
Os atores da malha esportiva (E2) apresentavam lógicas de ação próprias, no
seio dos protocolos e instruções de trabalho normatizadas pela empresa, origens e
idades diversas, e eram os porta-vozes dos elementos técnicos, tanto as máquinas
quanto os produtos gerados. As interdições de alguns rolos de malha não eram dadas
a priori, emergiam da complexidade do sistema produtivo e requeriam o que os
engenheiros chamavam de “tratativas”. Um jogo de permanente negociação interna e
externamente, de interações, em que uma quantidade de variáveis subjetivas também
pesava.
As falas e ações sumarizadas dos interlocutores desta pesquisa indicam que a
capacidade de mobilizar e gerir pessoas para o trabalho em equipe, o relacionamento
interpessoal interno e externo às empresas, a capacidade de promover um clima
institucional de confiança e participação, a qualificação profissional e o conhecimento
técnico têxtil, a responsabilização social e ambiental, dentre outras, afiguram-se como
competências e habilidades relevantes do engenheiro. Sua ação cnica entrecruza,
pois, todas essas dimensões, às quais se aliam outros tantos nós de uma rede de
mediações, como a política de formação e filosofia de trabalho da empresa, sua
identidade, seus protocolos ou instruções de trabalho, os equipamentos de produção
e de testes.
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Considerações finais
A aplicação da metodologia etnográfica na análise de atividades de concepção e
desenvolvimento de processos e produtos por engenheiros, e aqui aplicada de forma
ainda bastante embrionária, revelou sua adequação, ao privilegiar os espaços de
realização de seu trabalho, a saber, o contexto produtivo das empresas em que atuam,
sinalizando-a como estratégia para a compreensão da ação técnica do engenheiro.
Especificamente no que tange aos processos desenvolvidos nas empresas
pesquisadas, a aplicação de entrevistas, visitas monitoradas, observações e diários
de campo possibilitou constatar, por exemplo, que os mecanismos decisórios ocorriam
tanto de maneira vertical, quanto horizontal, demonstrando que as redes se
estruturavam de forma diferenciada, ainda que os engenheiros participassem de
funções semelhantes, como nos casos das E1 e E2. Enquanto, na E1, os estudantes
pesquisadores puderam ver evidenciada uma comunicação implementada na figura
de líderes e supervisores e um processo de inovação de produtos sujeito às
exigências do cliente, observaram igualmente, em contrapartida, que, na E2, a linha
de comando e decisões era mais horizontalizada, as opiniões discordantes também
tinham voz, e existia um grupo de inovação e melhoria que aglutinava profissionais de
vários departamentos e áreas.
Ainda nas visitas guiadas, em ambas as empresas, foi possível pontuar a
relevância, na prática concreta do engenheiro, do trabalho em equipe, de decisões
compartilhadas e participativas e do embasamento da experiência incorporada nos
estágios profissionais. Isto serviu para corroborar as questões relativas à formação
por competências dos futuros engenheiros, ali bastante presentes e evidenciadas.
Da perspectiva da estagiária, vale destacar a utilização dos diários de campo,
cujos registros permitiram conceber duas categorias em relação à sua ação técnica:
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a dimensão operativa das atividades desenvolvidas e a dimensão interativa. Pelo
ângulo mais propriamente sociotécnico, os estudantes puderam visualizar as distintas
lógicas de ação que configuravam a rede dos atores da malha esportiva - E2 - e a dos
atores da estamparia da E3, mais moldada a uma forma de gestão verticalizada. Tais
questões foram fundamentais para que eles compreendessem, na prática rotineira,
como os elos de redes se constituem, numa articulação engenhosa entre elementos
humanos e não humanos que complexifica atividades que, à primeira vista, parecem
comuns, simples e corriqueiras.
Embora os relatos mais etnográficos efetuados retratem atividades pontuais,
características do estágio realizado, o que instiga o desenvolvimento da ppria
prática etnográfica, foi possível observar, com o auxílio de ferramentas dessa
metodologia, que o núcleo mais duro, ou sua parte mais “técnica”, está impregnado
das associações entre vários atores humanos e não humanos, como aqui elencados.
Levando em conta os desafios atuais de formação do engenheiro, que prezam
por um perfil de egresso portador de uma atitude cooperativa, dialógica e interacionista
capaz de articular conhecimentos técnico-científicos e sociotécnicos, bem como de
uma visão criativa e inovadora voltada às dinâmicas empresariais e toda a sua
complexidade, no sentido das diversas interações em rede, considera-se que a
etnografia aplicada às empresas pode se configurar em estratégia de ensino-
aprendizagem relevante para a tarefa de aproximação mais qualificada entre a
universidade e as empresas.
Por meio dessa proposta de intervenção etnográfica, é possível reafirmar que
a formação do engenheiro atual requer que o estudante esteja cercado por cnicas
que desenvolvam uma capacidade de reflexão acerca de suas próprias práticas, de
comunicação e trabalho em equipe, de participação em grupos para solução de
problemas, tudo isso numa articulação com as empresas e instituições, de forma
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regular e planejada. Ou seja, um aprendizado ativo, como preveem as novas diretrizes
curriculares para os cursos de graduação em engenharia, promovendo a articulação
entre conhecimentos teóricos e saberes práticos, com uso intenso dos laboratórios e
integração às atividades de pesquisa e extensão, em especial aquelas desenvolvidas
a partir de casos concretos propostos pela indústria, de situações presentes e locais,
em que a interação com trabalhadores e profissionais no cotidiano de suas áreas de
trabalho torna-se de grande importância.
Desse modo, os benefícios de utilização dessa estratégia pedagógica, dentre
outras, como as entrevistas e visitas monitoradas aqui aplicadas, podem ser diversos,
tanto para as empresas quanto para a universidade, pois problemas detectados no
ambiente produtivo viabilizam a busca de soluções por meio de pesquisas, de projetos
de extensão e de criação de estratégias diferenciadas de ensino e aprendizagem.
Algumas dificuldades também se impõem na introdução da ferramenta etnográfica nos
ambientes organizacionais, tendo em vista a confidencialidade das empresas e de
seus processos de produção e gestão, além das características do próprio contexto
social em que estão inseridas, que podem pautar relações de maior ou menor
confiança no trabalho investigativo do etnógrafo.
Todavia, em um âmbito mais geral, a universidade toma conhecimento da
realidade socioeconômica e técnica da sociedade, o que se reflete na adaptação dos
currículos dos cursos. Estudos dessa ordem permitiriam aos estudantes de
engenharia, como foi o caso de nossos alunos bolsistas e colaboradores, bem como
das professoras, a oportunidade de descobrirem, no ambiente empresarial, a real
complexidade das ações técnicas, das tarefas que envolvem a profissão e os
mecanismos sociotécnicos que nela operam. Além disso, essa relação se
transformaria num potencial suporte ao desenvolvimento científico e tecnogico e à
formação em engenharia.
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Artículo recibido el 31 de mayo de 2020
Aprobado para su publicación el 3 de noviembre de 2020