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DOI: https://doi.org/10.48160/18517072re57.267
Agroecologia, TICs e Tecnologias Sociais: análise
de caso do aplicativo de comercialização “Cestas
Cooperflora” do assentamento Milton Santos em
Americana (São Paulo, Brasil)+++
Erika Batista*
André Luís Bordignon**
+ Este documento es parte de una publicación conjunta realizada entre Revista Redes. Revista de
Estudios Sociales de la Ciencia y la Tecnología y la RedTISA en el marco del Congreso PRAXIS 2022.
El documento forma parte del libro Juarez, P. et al (eds) (2024) Praxis: Innovación para la
transformación socioambiental desde el Sur Global, Bernal, UNQ, ISBN: 978-987-558-943-8.
++ Agradecemos a todas as agricultoras e agricultores cooperados da Cooperflora, cooperativa do
Assentamento Milton Santos e às lideranças do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra da
regional Campinas/ SP que confiaram no nosso trabalho para fortalecer sua rede sociotécnica. Aos
consumidores e grupo organizador do GC “Barão Geraldo” que se engajaram na produção do aplicativo
enquanto uma tecnologia digital social. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq) pelo fomento a este desdobramento da pesquisa realizada entre 2018 e 2020 no
âmbito da Chamada 21/2016. Ao IFSP pelo apoio institucional aos trabalhos desenvolvidos pelo
NEAES.
* Núcleo de Estudos em Agroecologia, Educação e Sociedade (NEAES) do Instituto Federal de
Educação Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), Câmpus de Campinas, mail:
erika.batista@ifsp.edu.br
** Núcleo de Estudos em Agroecologia, Educação e Sociedade (NEAES) do Instituto Federal de
Educação Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), Câmpus de Campinas, mail:
andre.bordignon@ifsp.edu.br
Revista Redes 57 – ISSN 1851-7072
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Resumo
Diante do sistema agroalimentar hegemônico que caracteriza o Brasil como país
latifundiário, monocultor e agroexportador de commodities agropecuárias, a agricultura
familiar tem sido severamente comprometida em sua capacidade produtiva pela
assistência técnica rural deficiente e pautada nos interesses do agronegócio brasileiro,
com a descontinuidade de programas governamentais e políticas públicas de
soberania e segurança alimentar e nutricional e desenvolvimento rural sustentável.
Outro elemento é a orientação da política científica e tecnológica do Estado, orientada
para sustentar o setor “agro-tech” em toda a cadeia produtiva desde a pesquisa e
desenvolvimento, obstruindo elos políticos e executivos que permitem o
estabelecimento de redes sociotécnicas para inclusão de grupos em contínua
vulnerabilidade no circuito técnico-tecnológico. O objetivo deste trabalho é apresentar
a experiência de desenvolvimento de uma tecnologia social de comercialização
implementada durante a pandemia de Covid-19 por meio de uma rede sociotécnica
constituída pelo Estado através do Núcleo de Estudos em Agroecologia, Educação e
Sociedade do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo no
território de reforma agrária do Assentamento Milton Santos, Americana/SP. Os
resultados demonstram que a tecnologia tem dinamizado o mercado social de
escoamento da produção do território e fortalecido o modelo de circuito curto de
comercialização, ao mesmo tempo em que contribui para a cidadania sociotécnica e
inclusão social das agricultoras e agricultores que se beneficiam deste processo.
Palavras-chave
AGROECOLOGIA - CIRCUITOS CURTOS - TECNOLOGIAS SOCIAIS - MERCADOS SOCIAIS -
POLÍTICAS PÚBLICAS.
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Introdução
Nos últimos anos houve o enfraquecimento das políticas públicas para a agricultura
familiar e a Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) para assentamentos de
reforma agrária no Brasil, que tinham como base de comercialização programas
institucionais de compras garantidas pelo Estado. Tais programas sofreram
descontinuidades significativas desde o golpe parlamentar que aconteceu no Brasil
em 2016, ocasionando impactos estruturais na construção dos mercados e
escoamento da produção da agricultura familiar.
Neste contexto, muitos assentamentos reorientaram sua comercialização para
modelos como o de cestas agroecológicas (Mundler, 2008), com foco em grupos de
consumo (GCs) e planejamento produtivo baseados nos princípios da
Comunidade que Sustenta a Agricultura (CSA). Esse foi o caso do Assentamento
Milton Santos, inserido na região da bacia hidrográfica do córrego Jacutinga e
oficialmente iniciado em dezembro de 2005 como um Projeto de Desenvolvimento
Sustentável (PDS) "Comuna da Terra Milton Santos".
Atualmente, o assentamento é composto por 68 famílias assentadas em
território de reforma agrária distribuídas em uma área de aproximadamente 105
hectares em divisa com os municípios de Americana e Cosmópolis, região
metropolitana de Campinas (RMC), estado de São Paulo no Brasil. (Batista e
Rocha, 2021).
Este trabalho tem o objetivo de apresentar a experiência de desenvolvimento
do aplicativo de comercialização “Cestas Cooperflora” como tecnologia para apoio
sociotécnico e fortalecimento do mercado social para escoamento da produção do
assentamento Milton Santos a partir de um circuito curto de comercialização (CCC),
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em contrapartida ao modelo agroalimentar convencional e hegemônico dos canais
longos que caracterizam o agronegócio agroexportador de commodities no Brasil.
A concepção e aplicação desta tecnologia de comercialização se iniciou no
âmbito da pesquisa “Agroecologia, tecnologias de produção orgânica em
assentamentos rurais e educação popular: a contribuição do IFSP para a
sustentabilidade ambiental e segurança alimentar na RMC”, desenvolvida de 2018 a
2020 com fomento doConselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq) e conduzida pelo Núcleo de Estudos em Agroecologia,
Educação e Sociedade (NEAES) do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia de São Paulo (IFSP), Câmpus de Campinas.
Especificamente, o aplicativo resultou da coleta de dados sistematizada a partir
das demandas apresentadas pelos participantes das atividades de formação,
promovidas pelo NEAES e pela Cooperflora - Cooperativa da Agricultura Familiar de
Americana, Cosmópolis, Limeira e Piracicaba, no Câmpus de Campinas entre 2017 e
2018, durante a criação do Grupo de Consumo “Estrela Libre” (GC) formado pela
comunidade interna do Campus.
A estrutura metodológica do desenvolvimento desta tecnologia se articulou em
duas perspectivas. A primeira acompanhou a pesquisa-ação realizada no território de
forma dinâmica e horizontal, ao mesmo tempo em que os espaços de construção
coletiva para as intervenções técnico-tecnológicas tornavam-se mais claros pela
própria participação dos sujeitos de pesquisa no processo de vivência e identificação
dos problemas enfrentados pelo cotidiano de organização da produção e
comercialização pelos cooperados da Cooperflora, vinculada ao Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra da Regional de Campinas, presente no território.
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A segunda perspectiva se concentrou na elaboração de uma ferramenta capaz
de solucionar as dificuldades apontadas pelos agricultores e agricultoras no processo
de comercialização realizado no modelo de cestas de produtos de base agroecológica
através do método da engenharia de software, atendendo às etapas de
desenvolvimento tecnológico do dispositivo concomitantemente às validações
participativas com o público-alvo usuário da tecnologia.
Em 2020, as condições impostas pela Pandemia de Covid-19 interromperam
as atividades de comercialização da Cooperflora com o GC “Estrela Libre” do Câmpus
de Campinas o que, concomitantemente, alterou a orientação da tecnologia social que
estava em andamento no desenho da proposta inicial. Frente a este contexto, o
aplicativo foi desenvolvido e direcionado ao atendimento de outro público-alvo, o
Grupo de Consumo de “Barão Geraldo”. Após a adequação da tecnologia ao novo
perfil do GC que seria atendido, o aplicativo entrou em produção em janeiro de 2022.
É esta trajetória que o texto apresenta para demonstrar como redes
sociotécnicas são importantes para a construção de mercados locais, fortalecimento
de canais curtos de comercialização e auto-organização de produtoras e produtores
em territórios de reforma agrária no Brasil, no sentido que define as tecnologias sociais
(DAGNINO, 2014). Além disso, para defender a atuação do Estado na intersecção e
implementação de políticas públicas, pelo fomento e mediação de agentes públicos
institucionais, como confirma a atuação do NEAES frente às políticas de Ciência e
Tecnologia, Educação Profissional e Tecnológica, Agricultura e Abastecimento, e
Desenvolvimento Agrário, pelas vias da inovação social e da extensão tecnológica no
IFSP, que orientaram este trabalho.
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Desenvolvimento
Levantamento da demanda sociotécnica das cooperadas e
cooperados
A ideia para o desenvolvimento de um aplicativo de comercialização das cestas de
produtos de base agroecológica da cooperativa Cooperflora surgiu da necessidade de
fortalecer um novo arranjo comercial diante do enfraquecimento das políticas públicas
de apoio à agricultura familiar e assistência técnica rural para os territórios de reforma
agrária no Brasil, sobretudo após o golpe parlamentar de 2016 que demonstrou o
esgotamento do modelo político de conciliação de classes que caracterizou os
governos petistas, associado à crise econômica global e as consequentes articulações
para a sustentação da ordem mundial da atual forma da sociabilidade capitalista de
natureza predominantemente financeira.
Ainda que de forma intermitente, ações significativas para o desenvolvimento
territorial rural e de reforma agrária foram criados e implementados desde a
Constituição de 1988 e, de forma sistemática a partir do primeiro governo Lula em
2003, como o Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Territórios
Rurais (Territórios Rurais), Plano Safra da Agricultura Familiar, Fundo de Terras e da
Reforma Agrária, Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF), Política Nacional
de Assistência Técnica e Extensão Rural (Pnater), Programa Nacional de
Assistência Técnica e Extensão Rural (Pronater), Programa de Aquisição de
Alimentos (PAA) (Mansor de Mattos, 2020).
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Os avanços promovidos pelo reconhecimento da agricultura familiar como
categoria produtiva se tornam mais significativos ainda em face do histórico da política
de produção e abastecimento de alimentos no Brasil, desde o Sistema
Nacional de Crédito Rural (SNCR) de 1965 (Mansor de Mattos, 2020). A partir dos
anos 1990, a agricultura familiar brasileira passou a ser reconhecida como categoria
produtiva e acessar as novas institucionalidades através de políticas públicas
promovidas pela criação de órgãos governamentais específicos.
O Ministério Extraordinário da Reforma Agrária foi criado em 1996 e convertido
no Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) em 1999, além de uma série de
programas voltados ao desenvolvimento territorial, financiamento rural, crédito
fundiário, assistência técnica e extensão rural, aquisição de alimentos, habitação rural,
dentre outros empreendidos por governos mais progressistas, sobretudo desde 2002
com os mandatos de Lula e Dilma Rousseff pelo Partido dos Trabalhadores (PT)
(Mansor de Mattos, 2020).
No entanto, como o Estado brasileiro sempre atuou como o principal agente
financiador dos governos associados às elites oligárquicas que predominam no
desenvolvimento do capitalismo agrário do país, os instrumentos das políticas públicas
agrícolas também oscilam segundo esta estrutura. As corporações transnacionais
passam a dominar não o mercado da agroindústria no Brasil, como também a
própria estrutura do sistema político brasileiro (Batista e Rocha, 2021).
Compreendendo um complexo sistema externo à agricultura que engloba
setores de transporte, geração de energia, logística, crédito rural, pesquisa e
desenvolvimento subordinados aos interesses do capital industrial, bancário e
financeiro num processo intenso de investimento e especulação (Pinassi e Mafort,
2012), a agricultura financeirizada discrimina e criminaliza a agricultura familiar,
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destituindo-a de sua importância estratégica para o abastecimento doméstico de
alimentos e para a Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional
(SSAN) na garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA).
A relação entre a tendência política conservadora, autoritária e violenta do
agronegócio brasileiro, juntamente ao modelo da agricultura financeirizada que
conduz o sistema agroalimentar hegemônico em nível global, pode ser observada no
desmonte das políticas públicas para o desenvolvimento rural da agricultura familiar
que se seguiram ao golpe parlamentar que permitiu a ascensão de Michel Temer à
presidência da república em 2016.
O Orçamento Geral da União (OGU) sancionado pelo governo Temer
comprometeu o funcionamento e a existência de muitos programas fundamentais para
a agricultura familiar em 2017 e 2018, culminando na própria extinção do MDA, no
desmantelamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e
na restrição ao acesso dos direitos constitucionais de 1988 pela população rural
beneficiária, coloca-as em situação de empobrecimento e vulnerabilidade
socioeconômica, socioalimentar e sociotécnica, além do aumento da violência no
campo1 (Mansor de Mattos, 2020).
Foi diante deste histórico de retrocessos e da nova ofensiva de
desdemocratização dos direitos que as relações entre o Núcleo de Estudos em
Agroecologia, Educação e Sociedade do IFSP estabeleceu e consolidou o vínculo
1 Para compreender as raízes da crise política que culminou na destituição da presidenta Dilma
Rousseff em 2016, bem como os arranjos ultraconservadores e ideopolíticos do processo de
desdemocratização” empreendido pela nova coalizão de forças que predomina na composição dos
poderes executivo, legislativo e judiciário do Estado brasileiro, sugere-se a leitura de Freixo e Pinheiro-
Machado (2019), Flauzina (2019), Bianchi (2019), Souza (2019; 2022).
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institucional e político com a Cooperflora. A cooperativa atuava na produção e venda
de produtos de agricultoras e agricultores familiares assentados da reforma agrária no
território do Assentamento Milton Santos, desde a sua constituição em 2015 por
lideranças do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) vinculadas à
Regional de Campinas, tendo por objetivo apoiar o planejamento produtivo, circulação
e distribuição dos produtos dos cooperados na região metropolitana de Campinas
(Bordignon, Batista, Santos e Costa, 2020).
Como foi observado, a tendência histórica do Estado brasileiro sempre
dificultou modelos de atividade econômica direcionados a arranjos produtivos locais
(APLs) para dinamização de circuitos curtos de comercialização, territórios de
vulnerabilidade e autonomia de sujeitos políticos de resistência ao sistema
agroalimentar hegemônico do capitalismo global. O debate sobre a “questão ecológica
e meio ambiente” é o tratamento dado para dissimular a associação dos grandes
grupos financeiros e agroindustriais com governos e instituições multilaterais que
atuam na direção do consenso ideológico do desenvolvimento sustentável neoliberal
(Batista, 2018).
A expropriação dos produtores diretos da terra é vital para que o circuito da
agricultura mundializada e financeirizada prevaleça sobre os interesses da agricultura
familiar camponesa, uma vez que estaríamos “em presença de uma esfera em que o
capitalismo financiero prossegue, mais ferozmente ainda, sua busca simultânea do
lucro e de forças renovadas de dominação social” (Chesnais e Serfati, 2003: 23). E
nesta busca, o controle do sistema agroalimentar é crucial, ao mesmo tempo em que
a renovação dos parâmetros tecnológicos, a descoberta de novos meios de
substituição e apropriação dos recursos naturais são necessários (Batista e Rocha,
2021).
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No entanto, quando o PT assume e permanece no governo federal de 2002 a
2016 no Brasil, esse tipo de atividade econômica começa a fazer parte da concepção
das respectivas ações, programas e políticas públicas mencionadas, além de
caracterizarem de forma nuclear a Política Nacional de Agroecologia e
Produção Orgânica (PNAPO) de 2012 e os Planos Nacional de Agroecologia e
Produção Orgânica (PLANAPO) - versão 2013-2015 e 2016- 2019. O fundamental
desta concepção foi o de garantir a compra de produtos da agricultura familiar,
incluindo também as especificidades da produção de base ou em transição
agroecológica, com o escoamento via arranjos produtivos locais.
Este direcionamento do Estado brasileiro foi interrompido com o golpe
parlamentar de 2016 e, dessa forma, a agricultura familiar sofreu um profundo revés
- vide o retorno do Brasil ao Mapa da Fome apresentado pela Organização das Nações
Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) em 2018 e os mais de 33 milhões de
pessoas em situação de insegurança alimentar grave no país, segundo o
“II Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de
Covid-19 no Brasil”, publicado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e
Segurança Alimentar e Nutricional (PENSSAN, 2022) - e precisa encontrar outras
alternativas para a comercialização de seus produtos.
Surgiu então a ideia da comercialização em circuitos curtos envolvendo grupos
de consumo em diferentes lugares da microrregião de atuação da cooperativa
Cooperflora na Região Metropolitana de Campinas (RMC). O modelo de
comercialização proposto nos grupos de consumo estabeleceu uma relação mais
direta entre produtor e consumidor, que por sua vez, passou a conhecer a origem e a
se atentar à qualidade do alimento que consome.
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A produção dos agricultores cooperados é de base agroecológica, sem a
utilização de insumos agroquímicos e com o emprego de práticas sustentáveis no
manejo dos recursos envolvidos na produção2. Esse modo de distribuição caracteriza-
se pela venda direta, quando o produtor entrega diretamente o produto ao consumidor,
ou pela venda através de um único intermediário - geralmente o Estado via políticas
públicas (Darolt, 2013).
Outra dimensão importante da construção social de mercados por canais CCC
é a política, uma vez que permite aos movimentos sociais organizados estabelecer
uma relação de proximidade com o consumidor de áreas urbanas e avançar para
relações de cooperação e compartilhamento de experiências que reestruturam o
planejamento produtivo de agricultores, as dietas e os hábitos alimentares de
consumidores, reforçando caminhos para sistemas agroalimentares alternativos e
sustentáveis (Brandenburg, Billaud e Lamine, 2015).
Apesar da ideia da comercialização em circuitos curtos ser promissora,
sobretudo num país de tradição agrícola latifundiária como o Brasil, ainda faltam
ferramentas de gestão para esse processo, o que pôde ser demonstrado pela
experiência do grupo de consumo “Estrela Libre” iniciado no Câmpus de Campinas
doIFSP em agosto de 2017 para escoamento de parte da produção do Assentamento
Milton Santos.
2 Atualmente, a Cooperflora aguarda a emissão do Selo Brasileiro Orgânico oficial emitido pelo
Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) - que reconhece a procedência e qualidade do produto
orgânico - após a realização do circuito de avaliação e conformidade pelo Sistema Participativo de
Garantia (SPG) durante 2023, conduzido pela Associação de Agricultura Natural de Campinas (ANC),
credenciada como Organismo Participativo de Avaliação da Conformidade Orgânica (OPAC) junto ao
MAPA.
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Na transição do modelo de comercialização dos programas de compra
institucional descontinuados pelo governo brasileiro como o PNAE entre 2015-2016,
por exemplo, para o de cestas agroecológicas, a Cooperflora constituiu um grupo de
agricultores certificados por Organização de Controle Social (OCS) para a entrega de
hortaliças, legumes e frutas frescos conforme o planejamento produtivo e temporada
para os grupos de consumo, como o “Estrela Libre” composto por servidores do
IFSP no Campus de Campinas.
Houve a realização da série de workshops “Agroecologia e Redes de Consumo
Conscientes” com ões de formação para os consumidores interessados em
participar do GC, conduzidas pela própria Cooperflora no Campus de Campinas
através da mediação do NEAES, que viabilizou os arranjos administrativos de
certificação - tanto aos representantes da Cooperflora como palestrantes dos
workshops quanto da comunidade participante - estrutura física e apoio técnico pelo
eixo da extensão.
A formação apresentava a Cooperativa a partir de reflexões sobre o padrão de
consumo do sistema agroalimentar hegemônico em contraposição à qualidade
nutricional desses alimentos, bem como situava a produção do Assentamento e as
características dos circuitos de venda direta. Foram realizadas três formações no
âmbito da série entre agosto de 2017 (período do estabelecimento de vínculo com a
comunidade) e abril de 2018, quando o GC alcançou o número de 34 entregas de
cestas, representando um aumento de 40% em comparação à edição do Workshop
em 2017.
A série gerou uma demanda espontânea para o GC, o que levou a equipe de
trabalho a um novo mapeamento para estudo de soluções frente às dificuldades
logísticas apontadas pelos cooperados para dar seguimento contínuo às ões de
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formação, e às administrativas para organizar as ões no tempo dos processos
burocráticos de abertura, divulgação, inscrição e execução em si, resultando numa
plataforma virtual de formação para novos consumidores do “Estrela Libre”.
A plataforma consistiu no desenvolvimento de um site de capacitação em 2019,
em que os próprios consumidores acessavam o conteúdo da formação dos workshops
produzido a partir de material audiovisual captado pela equipe do NEAES com as
lideranças da Cooperflora, e a partir da qual fariam sua adesão ao GC, passando a
receber as cestas sem a perda do elemento político do arranjo comercial de CCC.
Contudo, não houve aplicação da tecnologia porque as atividades presenciais
do Campus de Campinas foram interrompidas diante da pandemia de Covid-19 entre
março de 2020 a março de 2022, fazendo com que as entregas do GC Estrela Libre
fossem suspensas e a demanda sociotécnica reorientada, mesmo diante do
desenvolvimento da plataforma de formação e da captação dos materiais
audiovisuais, ambos finalizados para aplicação.
A reorientação da demanda sociotécnica e o desenvolvimento do
aplicativo “Cestas Cooperflora”
Durante o período de funcionamento do grupo de consumo “Estrela Libre” os
consumidores participavam da formação, integravam-se ao GC e o circuito de
comercialização era administrado por intermédio de um aplicativo genérico
(Whatsapp) de mensagens instantâneas com os participantes do grupo da seguinte
forma (Figura1):
a. Um grupo de consumo era formado utilizando um aplicativo multiplataforma de
mensagens instantâneas com todos os consumidores;
b. Uma data para início das entregas era definida;
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c. Três dias antes da entrega, o grupo de organizadores, em contato com a
cooperativa Cooperflora, disponibilizava no grupo de mensagens a composição
da cesta de produtos orgânicos e solicitava a manifestação de quem iria adquirir.
Além das cestas, eram disponibilizados produtos extras que não faziam parte da
composição da cesta padrão;
d. Os consumidores manifestavam a sua intenção de compra das cestas e dos
produtos extras através do grupo de mensagens, até uma data e horário limite
pré estabelecidos;
e. De posse dos pedidos dos consumidores, o grupo de organizadores consolidava
os pedidos, analisando as mensagens do grupo;
f. Os pedidos consolidados eram enviados para a cooperativa
Cooperflora;
g. A cooperativa Cooperflora fazia a montagem das cestas a serem enviadas para
o grupo de consumo;
h. No dia determinado da entrega dos produtos, a cooperativa enviava as cestas
montadas e os produtos extras solicitados pelos consumidores;
i. A entrega era feita pelo grupo de organizadores juntamente com a cooperativa
no local combinado;
j. Após o consumidor fazer a retirada dos seus produtos fazia o pagamento dos
itens através de um depósito bancário e enviava o comprovante no grupo de
mensagens;
k. O grupo de organizadores fazia a conferência dos pagamentos e aquele ciclo era
encerrado.
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Figura 1 - Fluxo de comercialização antes da implantação do aplicativo “Cestas
Cooperflora”
Fonte: os autores, 2022.
A dinâmica de gerenciamento de um circuito curto de comercialização, intermediado
por um aplicativo de mensagens instantâneas, demonstrou dificuldades significativas
que impactavam no processo, desde a produção até a entrega, como: perda de
informação para anotação de produtos extras e cestas, cestas em número maior ou
menor do que as solicitações, pagamentos não
efetuados, dentre outras.
Vale ressaltar que no período de funcionamento do GC “Estrela Libre” (2017 a
2019) também havia o atendimento de mais quatro grupos com a mesma dinâmica de
gestão da cooperativa Cooperflora, que escoava seus produtos em cidades da RMC
e adjacências como Americana, Piracicaba e Santa Bárbara D’oeste, de modo
que os desafios se ampliavam na mesma medida do crescimento da
comercialização. Após a avaliação das dificuldades elencadas foi proposta uma
solução tecnológica pela equipe do NEAES para as lideranças da Cooperflora.
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Para o desenvolvimento do projeto foi selecionado um GC chamado "Grupo de
Consumo de Barão Geraldo”, iniciado em 2019 e que demonstrava potencial para que
o arranjo político se sustentasse em outra forma da relação comercial. Barão Geraldo
é um distrito da região do município de Campinas e o GC formado por 40 integrantes
que compram as cestas de produtos da cooperativa Cooperflora. Esse grupo de
consumo funciona em base quinzenal e o grupo recebe as cestas de produtos de base
agroecológica de 15 em 15 dias aproximadamente.
Também é importante destacar que, além dos membros da cooperativa
Cooperflora, existe um grupo de consumidores organizadores que garantem a gestão
desse modelo de comercialização e é este grupo que gerencia os pedidos e as
entregas das cestas de produtos de base agroecológica da cooperativa.
Método da engenharia de software
A equipe de trabalho para o desenvolvimento do aplicativo foi composta por um
professor coordenador e quatro estudantes sendo: um aluno de graduação em
Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas e três estudantes do curso
técnico em Informática integrado ao Ensino Médio, todos do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, Campus Campinas. O projeto foi
iniciado através de um trabalho de conclusão de curso de graduação - fase 1 - e
concluído como um projeto de extensão tecnológica - fase 2.
Durante a fase 1 foram definidas as funcionalidades básicas do aplicativo, a
partir da participação de membros do projeto no grupo de consumo. Essa etapa
ocorreu de março a dezembro de 2020, focada nas metodologias e ferramentas para
o desenvolvimento de um software. O processo de desenvolvimento do software foi
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definido como incremental, onde cada funcionalidade é implementada, testada e
incluída no software (Sommerville, 2007).
Para o desenvolvimento do software foi definida a biblioteca React Native, um
framework para desenvolvimento de aplicativos móveis nativos para Android e iOS,
que possibilita que o código seja escrito utilizando React, uma biblioteca do JavaScript,
e renderizado com o código nativo respectivo à plataforma de utilização do aplicativo
(React Native, 2022).
O software requerum banco de dados para o armazenamento das
informações de comercialização dos produtos. Esse foi um ponto importante da
discussão na etapa de planejamento, pois era necessário um banco de dados
queestivesse disponível de forma permanente para o bom funcionamento do aplicativo.
O IFSP não oferece esse tipo de serviço para os aplicativos que são desenvolvidos na
instituição e, por este motivo, a opção foi utilizar o Firebase, um serviço da empresa
Google (Firebase, 2022).
O Firebase provê três recursos fundamentais para o funcionamento do
aplicativo, que são os sistemas de autenticação, o sistema de armazenamento de
dados e o sistema de armazenamento de imagens. O sistema de autenticação garante
que somente os membros do grupo de consumo possam utilizar o aplicativo e também
minimiza tentativas de fraudes. Para o armazenamento dos dados o Firebase provê
um recurso denominado Firestore, um banco de dados orientado a documentos
(Sullivan, 2015). Por fim, o serviço de Storage permite o armazenamento de imagens
e PDFs, que foi utilizado para o armazenamento dos comprovantes de pagamento.
O planejamento dos dados a serem coletados dos consumidores se pautou
pelo mínimo necessário, isto é, são coletados os dados essenciais para o
funcionamento do aplicativo como nome, telefone e e-mail. Além disso, uma política
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de privacidade foi desenhada para garantir que os dados coletados seriam
utilizados para o gerenciamento das atividades do grupo de consumo e de acordo com
a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD, Lei 13.709 de 2018.
Todo esse processo de desenvolvimento do aplicativo foi dificultado pela
Pandemia da Covid-19. No entanto, ao final dessa fase já existia um plano bem claro
para o desenvolvimento do aplicativo, bem como algumas funcionalidades
desenvolvidas, e ainda não existia uma identidade visual para a ferramenta.
Na fase 2, houve um envolvimento bem próximo do grupo de organizadores do
GC de Barão Geraldo, que participou das reuniões mensais de junho de 2021 a janeiro
de 2022, quando ocorreu o lançamento do aplicativo. Nas primeiras reuniões, foi
apresentada a estrutura da fase 1 do aplicativo e realizada a validação participativa
do processo de comercialização das cestas, quando uma série de funcionalidades
foram recomendadas pelos organizadores e incorporadas para desenvolvimento e
inclusão no aplicativo.
Durante a fase de levantamento das novas funcionalidades (requisitos) o
design do aplicativo começou a ser desenvolvido e concluído com o trabalho de um
profissional voluntário. As tecnologias utilizadas para o desenvolvimento do aplicativo
foram pensadas para a criação de um software de código livre e aberto que pudesse
ser utilizado de forma gratuita pelas instituições interessadas.
Discussão sobre as tecnologias digitais utilizadas
Uma discussão importante a ser feita é porque da escolha destas tecnologias, uma
vez que a mistura de software livre com ferramentas disponibilizadas pela Google,
parece ser um contrassenso. A Google representa um grande conglomerado de
tecnologias e é uma empresa que detém praticamente o monopólio do motor buscador
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da Internet - 91,62% (Search Engine Market Share Worldwide, 2024) - e que possui
mais de 1,5 bilhão de contas de e-mail (Shewale, 2024).
Tais dados demonstram que a Google concentra o controle mundial dos dados
que trafegam nessas tecnologias, de modo que monopólio e controle não são
características que combinam com a concepção de um software livre. No entanto, as
questões práticas se colocaram à frente quando a disponibilização gratuita de um
aplicativo mobile para gerenciamento das vendas da cooperativa Cooperflora se
apresentou.
Essa discussão foi feita pelo grupo de desenvolvedores que construíram o
aplicativo com o grupo voluntário dos organizadores do GC de Barão Geraldo. A
decisão foi tomada para garantir o desenvolvimento do software livre e utilizar o banco
de dados Firebase da Google, disponibilizado gratuitamente. Além disso, o
licenciamento do software também segue as liberdades do software livre, sendo elas
(Melo, 2009):
a. Liberdade nº 0: a liberdade de executar o programa para qualquer propósito;
b. Liberdade 1: a liberdade de estudar como o programa funciona e adaptá-lo
para as suas necessidades;
c. Liberdade 2: a liberdade de redistribuir cópias de modo que vocês possa ajudar
ao seu próximo;
d. Liberdade 3: a liberdade de modificar o programa, e liberar os seus
aperfeiçoamentos, de modo que toda a comunidade se beneficie deles.
A opção pela utilização de um banco de dados hospedado nas nuvens da Google faz
com que esta escolha seja problematizada toda vez que uma tecnologia de inovação
social é hospedada nesses servidores. Isso porque, estamos vivendo a era do
colonialismo de dados (Silveira, 2021) e, quando o armazenamento de alguma
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informação nas nuvens existe um pré conceito de que se trata de algo um pouco
“étereo”.
Contudo, todo armazenamento de dados tem um local físico, um computador
que o hospeda. O alerta é que a grande maioria dos dados mundiais estão
armazenados no hemisfério norte, sobretudo nos Estados Unidos. Portanto, não
soberania sobre esses dados (Silveira, 2021). Além disso, não existe a garantia de
que esses dados não serão utilizados para outros fins, além dos informados pelo
aplicativo. Isso acontece porque não existem repositórios de dados gratuitos no Brasil,
que permitam desenvolver software com características sociais a serem armazenados
nesses locais.
Um espaço adequado para esses repositórios seriam as universidades e
instituições de ensino públicas, o que ainda não é realidade diante das características
ideopolíticas do Estado brasileiro e mais uma disputa a ser travada diante da
correlação de forças entre os representantes da agricultura financeirizada e da
agricultura familiar no contexto de governos associados diretamente aos interesses
dos grandes conglomerados que concentram e controlam a cadeia produtiva do
sistema agroalimentar hegemônico no Brasil - como foram os de Michel Temer e Jair
Bolsonaro - ou indiretamente pela via da conciliação de classes - como foram os de
Lula e Dilma Rousseff.
Implantação e aplicação da tecnologia
Em janeiro de 2022 a primeira versão do aplicativo foi lançada para ser utilizada em
produção, o que ocorre quando ele já é utilizado na sua operação junto com usuários
reais. O aplicativo foi disponibilizado na Google Playstore e através da plataforma
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qualquer pessoa pode instalar o aplicativo no seu aparelho celular. O aplicativo
permitiu uma simplificação para o processo de gestão da comercialização das cestas
da Cooperflora com o GC de Barão Geraldo, funcionando da seguinte Forma.
Um organizador do grupo de consumo se autentica no aplicativo utilizando a tela de
login (Figura 2; Figura 3).
Fonte: os autores, 2022.
Fonte: os autores, 2022.
Uma nova entrega é cadastrada por um organizador do grupo de consumo e a partir
desse momento os consumidores cadastrados recebem uma notificação da nova
entrega. A funcionalidade de receber uma notificação é opcional e deve ser habilitada
pelo consumidor (Figura 4; Figura 5).
Figura 2. Tela de login Figura 3. Tela de inclusão dos
itens da cesta
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Figura 4. Tela de inclusão dos
itens
Figura 5 -
Tela de
cadastro de novo
extras consumidor
Fonte: os autores, 2022 Fonte: os autores, 2022
Um novo consumidor é cadastrado no aplicativo pelo grupo de organizadores (Figura
5).
A partir desse momento o consumidor pode se autenticar no aplicativo e fazer pedidos
quando as entregas são disponibilizadas, utilizando a tela de login (Figura 2).
Após a autenticação, o consumidor acessa a tela principal do aplicativo, onde estão
descritas as entregas que foram realizadas e as entregas que serão realizadas (Figura
6).
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Figura 6. Tela principal do
aplicativo
Figura 7.
Tela do
pedido
Fonte: os autores, 2022
Fonte: os autores, 2022
O consumidor toca no quadro da próxima entrega e acessa a tela para fazer o pedido
(Figura 7).
Após fazer suas escolhas o consumidor toca sobre o botão confirmar. Nesse momento
o pedido do consumidor é registrado.
O próximo passo é ir ao local da entrega receber a cesta de produtos na data e horário
definidos pelo grupo de consumo.
Quando o consumidor recebe os produtos solicitados, o organizador toca sobre o
botão concluir (Figura 8).
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Figura 8. Tela de entrega do
pedido
Figura 9. Tela de
Pagamentos
Fonte: os autores, 2022
Fonte: os autores, 2022
Após a conclusão dessa etapa, um registro de pagamento em aberto é criado. Esse
registro pode ser acessado pelo menu inferior no aplicativo com o símbolo $ (Figura
9).
Com um toque sobre os pagamentos abertos, o consumidor pode conferir os valores
a serem pagos e anexar o comprovante de pagamento (Figura 10).
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Figura 10. Tela para Anexar
Comprovantes de
Pagamento
Figura 11. Tela com o saldo
de todos os consumidores
(acesso somente para os
organizadores)
Fonte: os autores, 2022 Fonte: os autores, 2022
O grupo de organizadores faz a conferência dos pagamentos e o ciclo é encerrado
(Figura 11).
Além do processo e das telas apresentadas, o consumidor tem
funcionalidades para alterar o seu nome, o seu telefone e permitir notificações
automáticas quando novas entregas são agendadas. Com a centralização das
informações em somente um local de armazenamento de forma organizada, o controle
das ações e informações do grupo de consumo se tornou mais fácil.
A utilização foi iniciada de forma gradual com alguns consumidores e aumentou
progressivamente. Em julho de 2022 existiam 112 usuários cadastrados no sistema
com uma média de venda de 35 cestas comercializadas a cada
quinzena.
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Resultados e discussão
Os resultados obtidos com a utilização do aplicativo são muito satisfatórios, pois o
gerenciamento do grupo de consumo se tornou mais objetivo, claro e simplificado.
Abaixo podemos ver um gráfico do número de cestas comercializadas por entrega,
mostrando o incremento gradual no número de consumidores (Gráfico 1).
Gráfico 1 - Monitoramento do volume de cestas com o aplicativo em produção
Fonte: os autores, 2022
O processo da criação da entrega, que antes era feito através de um aplicativo de
mensagens instantâneas, agora foi substituído pela funcionalidade da criação da
entrega do aplicativo. Todos os produtos extras que são comercializados pela
cooperativa estão pré cadastrados, facilitando assim sua inclusão pela equipe de
organizadores voluntários. A inclusão de um produto extra novo, caso seja necessário,
pode ser feita na própria tela de criação da entrega.
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Os consumidores recebem uma notificação quando uma nova entrega é
agendada, que os pedidos são registrados automaticamente sem a dependência da
intervenção de um organizador para o registro, facilitando o processo de novos
pedidos. A entrega do pedido gera automaticamente um registro para pagamento, o
que não existia pelo gerenciamento através do aplicativo de mensagens
instantâneas.
Esta função trouxe mais agilidade para consumidores e organizadores, uma
que não mais a dependência do consumidor lembrar das suas compras para
realizar o pagamento, e dos organizadores acompanharem os pagamentos e
consumidores inadimplentes para a cobrança, o que muitas vezes significou o não
pagamento-recebimento do valor referente às cestas pela própria natureza da
dinâmica do aplicativo de mensagens instantâneas.
Com relação aos comprovantes de pagamento, cuja entrega também era feita
via aplicativo de mensagens, agora é possível que o mesmo permaneça armazenado
no próprio aplicativo, proporcionando mais controle para os organizadores e
consumidores, além da proteção da informação com relação aos dados bancários que
circulavam no aplicativo de mensagens anterior.
Numa perspectiva mais abrangente, percebe-se como o estabelecimento de
redes sociotécnicas pode dinamizar a construção social de mercados alternativos
como os circuitos curtos de comercialização, sobretudo quando se trata do
escoamento da produção de territórios em vulnerabilidade sociotécnica - como é o
caso dos assentamentos de reforma agrária no Brasil.
Estas redes são extremamente importantes para que haja o mínimo de cidadania
e inclusão de produtoras e produtores no circuito científico-tecnológico, ao mesmo
tempo em que cria e fortalece laços comunitários e políticos do campo com a cidade a
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partir de uma relação social que não seria estabelecida por canais convencionais do
sistema agroalimentar hegemônico. Tanto que um dos fatores de viabilização do
gerenciamento da comercialização por meio da tecnologia digital construída é o
engajamento do grupo organizador para a manutenção desta ponte entre agricultoras
e agricultores com o grupo de consumo.
Na verdade, houve uma sinergia anterior entre o grupo
consumidor-organizador e o grupo de cooperados por alinhamento ideopolítico,
fazendo com que um pequeno núcleo do grupo consumidor organizasse de forma
autônoma e voluntária o grupo de consumo naquela região - Barão Geraldo - até
atingir o mínimo de cestas viável para o atendimento da cooperativa Cooperflora, tanto
em termos de viabilidade financeira como de planejamento produtivo.
Uma vez que o grupo foi constituído com o mínimo de 20 consumidores, o GC
de Barão Geraldo passou a funcionar e cresceu em plena pandemia de Covid-19,
dada a busca por circuitos alternativos de consumo pela sociedade civil no primeiro
momento da emergência sanitária. Este ponto demonstra como os circuitos curtos têm
potencial para dinamização de territórios se tiverem visibilidade e uma rede
sociotécnica atenta às necessidades dos sujeitos em vulnerabilidade e
possibilidades de conexões entre grupos sociais inicialmente distantes.
Outro elemento potencializador das redes sociotécnicas é que essas conexões
também atuam na direção da ressignificação debitos de consumo e alimentares do
público consumidor, que as cestas são compostas por uma quantidade fixa de
alimentos frescos da estação - selecionados conforme o planejamento produtivo da
Cooperativa e que não podem ser alterados - e que podem ser enriquecidas com os
produtos extras oferecidos em cada ciclo de entrega.
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É necessário destacar ainda o papel do Estado e de políticas públicas
específicas para agricultura familiar de base agroecológica no estabelecimento da
rede sociotécnica que viabilizou encontros, pontes e conexões entre sujeitos sociais
de territórios tão distintos no caso desta experiência. Foi no âmbito da Política
Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica - instituída em 2012 pelo governo da
presidenta Dilma Rousseff - que os PLANAPOs puderam ser executados nos períodos
de 2013-2015 e 2016-2019, cujo conjunto de metas continha também a implantação
de Núcleos de Estudos em Agroecologia (NEAs) através de editais de fomento à
pesquisa direcionados às instituições de ensino superior (IES).
A partir da Chamada Nº 21/2016 do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq) - em parceria com Ministério da Ciência, Tecnologia,
Inovações e Comunicações (MCTIC), o Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (MAPA), o Ministério da Educação (MEC) e a Secretaria Especial de
Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário da Casa Civil da Presidência da
República (SEAD) - é que o NEAES, enquanto grupo de pesquisa vinculado a uma
instituição de ensino superior pública como o IFSP, conseguiu os recursos para a
execução da pesquisa “Agroecologia, tecnologias de produção orgânica em
assentamentos rurais e educação popular: a contribuição do IFSP para a
sustentabilidade ambiental e segurança alimentar na RMC”, realizada entre 2018 e
2020 junto ao território do Assentamento Milton Santos e com o público-alvo da
cooperativa Cooperflora.
Ministérios, CNPq, IFSP e NEAES foram elos
administrativo-governamental-institucional de uma cadeia de agentes público
institucionais do Estado, que foi possível pela instituição de uma política pública
direcionada para a produção orgânica, fundamental para a dinamização agroecológica
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do território do Assentamento (BATISTA, 2022), interseccionada com a Política
Nacional de Educação Profissional e Tecnológica. O que se contrapõe, inclusive, ao
discurso conservador hegemônico de que a gestão pública é ineficiente porque é
incapaz de manejar os modelos de administração do setor privado
(Dagnino, Cavalcanti e Costa, 2016).
Desta forma, considera-se que o aplicativo “Cestas Cooperflora” é uma
tecnologia digital de inovação social pois são construções comunitárias direcionadas
à resolução de problemas sociais, econômicos e, dentre outros, ambientais, que
possibilitam a inclusão social e autonomia dos envolvidos (Bava, 2004).
Considerações finais
Atualmente a cooperativa Cooperflora está com cinco grupos de consumo ativos na
região metropolitana de Campinas e existe uma perspectiva de ampliação da
utilização do aplicativo para outros destes GCs. Entretanto, que se pontuar uma
dimensão da vulnerabilidade sociotécnica que caracteriza o público-alvo do território
e que o aplicativo de comercialização não consegue absorver: a vulnerabilidade
digital.
A análise do processo de desenvolvimento do aplicativo apontou como a
vulnerabilidade digital afeta os membros da cooperativa Cooperflora para além da
vulnerabilidade sociotécnica que caracteriza a agricultura familiar de reforma agrária
no Brasil, visto que sem o engajamento do grupo organizador o aplicativo não teria
como ser utilizado pelos próprios usuários da tecnologia: as agricultoras e agricultores
cooperados.
O perfil dos participantes da cooperativa Cooperflora - e da maioria das 68
famílias que estão formalmente no território do Assentamento - possui idade mais
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avançada e não possui uma formação escolar formal. Muitos foram alfabetizados em
ações informais para a educação de jovens e adultos, sem um programa sistematizado
e operacionalizado pelo Estado. Esta característica deixa clara a falta de prioridade
para esse grupo de pessoas na área rural, que não foram assistidas pelo Estado
quando possuíam idade regular para formação escolar e tampouco no avanço das
tecnologias digitais, além da baixa cobertura da Internet nessas áreas.
Portanto, para que haja uma inclusão digital dessas pessoas ao ponto de que
elas próprias possam fazer a gestão da comercialização com plena autonomia através
do aplicativo e sem a necessidade de um grupo de organizadores, é necessário mais
um passo para a reparação histórica de sujeitos que foram politicamente alijados do
próprio processo de alfabetização e garantia à educação escolar durante suas
trajetórias de vida - rural e urbana - uma vez que ainda existem agricultoras e
agricultores que não sabem ler e escrever no território.
Deste modo, acredita-se que as tecnologias digitais sociais podem fortalecer
experiências de circuitos curtos de comercialização de produtos agroecológicos,
construindo novos mercados e valorizando esse tipo de produção ao abrir novos
caminhos, o que, no caso do Assentamento Milton Santos, significa ampliar o espaço
da própria dinamização agroecológica do território para um desenvolvimento rural
sustentável e a inclusão social destes sujeitos para o exercício de uma cidadania
substantiva.
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Artículo recibido el 15 de septiembre de 2022
Aprobado para su publicación el 22 de noviembre de 2023