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PERSPECTIVA FEMINISTA EM PROGRAMAS DE
PÓS-GRADUAÇÃO CTS: DIAGNÓSTICO SOBRE
SUAS LIMITAÇÕES
Letícia Azevedo Januário* / Jussara Ribeiro
de Oliveira** / Etiene Siqueira Rocha***
RESUMO
A perspectiva feminista nos estudos de Ciência, Tecnologia e Sociedade
() questiona a estrutura sexista do campo científico e tecnológico, a exis-
tência de estereótipos femininos e as relações de poder na área, assim como
defende a necessidade de maior representatividade feminina e da diversida-
de na Ciência e Tecnologia. Com a ampliação de correntes e recortes de
atuação feminista, se faz necessário investigar o quanto, e de que forma, isso
tem permeado o campo . Nesse sentido, buscou-se verificar se as auto-
ras feministas referenciadas nas disciplinas dos cursos interdisciplinares 
ainda são, na maioria, mulheres brancas dos países do hemisfério norte.
Para tanto, realizou-se uma análise exploratória e descritiva das bibliografias
das disciplinas com foco nos estudos  e os estudos feministas do campo.
A identificação dos programas de pós-graduação stricto sensu relacionados
ao enfoque  no Brasil foi realizada por meio de uma busca na Plataforma
Sucupira da Capes. Pôde-se comprovar a tese de que as autoras feministas
mais referenciadas ainda são, na maioria, mulheres brancas dos países do
hemisfério norte que não se identificam com a agenda científica dos países
marginalizados”, assim como as especificidades das mulheres negras, indí-
genas ou  que compõem o Brasil.
-:   –    – 
* Estudiante de doctorado em Ciência, Tecnologia e Sociedade da Universidade Federal
de São Carlos, SP, Brasil. Correo electrónico: <leticiaaj12@gmail.com>.
** Estudiante de doctorado em Ciência, Tecnologia e Sociedade da Universidade Federal
de São Carlos, SP, Brasil. Correo electrónico: <darksaj@gmail.com>.
*** Estudiante de doctoradoem Ciência, Tecnologia e Sociedade da Universidade Federal
de São Carlos, SP, Brasil. Correo elect rónico: <etiene.so@gmail.com>.
doi: 10.48160/18517072re50.10
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INTRODUÇÃO
Despontando no final do século , a Ciência Moderna caracteriza-se pela
filosofia experimental e o racionalismo “calculador e quantificador”, além
do mecanicismo e das práticas das ciências naturais ou experimentais, os
quais objetivaram dominar, manipular e triunfar sobre a natureza.
Consequentemente, a dominação científica dos homens sobre a natureza
permite a conclusão de que a “nossa ciência estruturou-se a partir de um
princípio de racionalidade fundado numa filosofia de caráter nitidamente
patriarcal-masculino-machista” (Japiassu, 2011: 20-22). Desta forma, os
estudos feministas têm papel fundamental no debate e na denúncia das ques-
tões de gênero, das desigualdades e do poder como figuras centrais das rela-
ções assimétricas entre a ciência e a sociedade (Subramaniam et al., 2016).
A fim de pensar o contexto da ciência brasileira, é preciso entender a
lógica portuguesa advinda do processo de colonização do país, tendo em
vista que com a chegada da família real portuguesa, em 1808, a intenção
era transformar o Brasil em um apêndice de Portugal (Bottoni, Sardano e
Costa Filho, 2013). Neste contexto, moldada sob a influência da
Universidade de Coimbra e, assim, marcada pela Ciência Moderna, surgiu
a primeira universidade brasileira, a Escola de Cirurgia da Bahia. Como
consequência desse modelo colonial, as mulheres, sobretudo as mulheres
inseridas em grupos minoritários, são sub-representadas no âmbito acadê-
mico e científico brasileiro.
A perspectiva feminista nos estudos de Ciência, Tecnologia e Sociedade
() questiona a estrutura sexista do campo científico e tecnológico, a exis-
tência de estereótipos femininos e as relações de poder na área, assim como
defende a necessidade de maior representatividade feminina e da diversida-
de na Ciência e Tecnologia () (Bauchspies, Croissant e Restivo, 2006).
Assim, os estudos feministas no campo  permitem a compreensão do
papel excludente das relações de gênero na  no mundo moderno, sendo
que a epistemologia de gênero visa à transformação das relações para a cons-
trução da equidade de gêneros na , a partir da discussão e análise dos
padrões sexistas na área (Sismondo, 2010).
Os estudos feministas em conjunto com o campo de estudos  denun-
ciam a ausência de neutralidade da ciência, elucidando os aspectos raciais
que também influenciam a ciência (Bauchspies, Croissant e Restivo, 2006).
Partindo do recorte de gênero, feministas negras e de nacionalidades não
ocidentais começaram, também, a pontuar outros vieses dentro da ciência
e mesmo dentro dos estudos feministas, denotando o racismo, fobia,
xenofobia entre outras opressões dentro da academia, os quais se refletem
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na produção científica, nas relações de poder e na própria estrutura orga-
nizacional da ciência.
Destacam-se enquanto grupo de estudos nessa área o feminismo da dife-
rença, feminismo perspectivistas, feminismo interseccional (norte-america-
no) e os feminismos de/pós-coloniais, em especial os trabalhos de feministas
orientais e da América Latina, que compõem o embasamento teórico do
presente trabalho.
Diante do exposto, afirma-se que a questão do gênero na  é complexa
com inúmeras influências sociais, institucionais e culturais, as quais cons-
troem as relações de poder do campo científico, haja vista que a  são ter-
ritórios políticos que reproduzem as concepções que sustentam as relações
de gênero desiguais da sociedade. Assim, a epistemologia de gênero no cam-
po  se apresenta diversa e plural a fim combater amplamente o sexismo
e o androcentrismo, que moldam as práticas e competências científicas em
detrimento das mulheres e das minorias. As reflexões aqui delineadas, se
iniciaram na disciplina “Metodologias e Teorias Interdisciplinares aplicadas
ao Campo ” ministrada pelo prof. Wilson José Alves Pedro no Progra-
ma de Pós-Graduação Ciência, Tecnologia e Sociedade da Universidade
Federal de São Carlos, São Paulo, Brasil.
Portanto, atentando para as questões que vão para além do gênero, obje-
tivou-se verificar a presença das autoras da Epistemologia Feminista nas
ementas de disciplinas de programas de pós-graduação da área das Ciências
Sociais que estejam alinhadas com os estudos , com foco especial no
perfil étnico-racial das autoras mais citadas a fim de evidenciar se há o
padrão geralmente observado nas citações dos estudos feministas: os traba-
lhos de mulheres brancas de países do hemisfério norte.
A CTS FEMINISTA E SEUS RECORTES
O feminismo afetou a academia de diversas formas. Haja vista a grande
diversidade de correntes, que além de trazer novos questionamentos para
os pressupostos teóricos das pesquisas, aprofundou de maneira fundamen-
tal a crítica sobre a neutralidade e a objetividade da ciência. Ganhando for-
ça desde os anos 1980, por meio de alianças e tensões com outros
movimentos sociais, neste pouco tempo já teve tempo de se diversificar e
aprimorar. O movimento feminista interseccional – que tomou forma nos
anos 1990 – busca integrar as diversas lutas e questionar “decretos de clas-
se, raça, etnia, gênero e sexualidade em ciência, tecnologia e medicina
(Moser, 2006: 537). Ingunn Moser afirma que:
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Essas feministas alegaram que uma nova abordagem ou paradigma era
necessário para explicar as experiências das mulheres negras de serem sub-
metidas a uma complexa matriz de dominação na qual diferentes eixos de
diferenciação e hierarquias sociais se combinam e se constroem mutuamen-
te. Na década de 1990, o termo interseccionalidade para esse fenômeno
tornou-se comumente usado –e ganhou importância como metáfora e
paradigma em estudos queer e pós-coloniais, bem como em estudos femi-
nistas de gênero e cultura (Moser, 2006: 540, tradução nossa).
Neste sentido, os questionamentos feministas interseccionais ganharam for-
ça no campo  e parecem estar se consolidando dentro de um conjunto
de críticas tratadas como os estudos de gênero.
Marta García e Eulalia Sedeño (2002) classificam os estudos sobre ciên-
cia, tecnologia e gênero como heterogêneos, embora compartilhem o mes-
mo objetivo político, a saber: opor-se ao sexismo e ao androcentrismo
observados nas práticas científicas. Para García e Sedeño (2002) quando se
fala na discriminação da mulher no meio científico, ela pode ser represen-
tada de duas formas, a territorial e a hierárquica. Na primeira, as mulheres
são relegadas a certas áreas científicas, ou seja, áreas classificadas como
femininas” com trabalhos “feminilizados” ou “rotineiros”, que fora da esfe-
ra do “teórico”, adquirem menor valor (García y Sedeño, 2002). Na segun-
da, cientistas tidas como capazes e brilhantes encontram um “teto de vidro”,
que não podem ultrapassar, represando-as nos cargos inferiores da hierar-
quia científica. Ainda é identificada a exclusão das mulheres das redes infor-
mais de comunicação, consideradas como canais essenciais para o
desenvolvimento das ideias científicas (García y Sedeño, 2002).
Muito ligada às duas formas de discriminação supramencionadas está a
desigualdade estrutural na ciência, que Hess et al. (2016: 335), além de
indicar algumas limitações sobre as políticas de participação de determina-
dos grupos dentro do fazer científico tratando do papel dos movimentos
sociais em trazer novos questionamentos para a ciência, introduziu-nos
muitos conceitos úteis e [que] nos ajudaram a conduzir pesquisas com
mais clareza” (tradução nossa). Os autores sugerem, também, que “há
espaço para conceitos adicionais especialmente sintonizados com o proble-
ma da desigualdade estrutural”. Ainda sobre o assunto:
Um dos próximos passos no estudo da desigualdade estrutural é uma melhor
investigação integrada de raça, gênero, sexualidade e estudos relacionados
com o trabalho sobre pobreza, desigualdade e subdesenvolvimento globais.
O campo também poderia se beneficiar de estudos reflexivos sobre como as
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diferentes tradições nacionais e continentais do  desenvolveram diferen-
tes ênfases no estudo da desigualdade estrutural (Hess et al., 2016: 335, tra-
dução nossa).
Para tratar da desigualdade estrutural de gênero na academia, Margaret
Rossiter (1993) cunha o termo “Efeito Matilda” como homenagem à Matilda
Joslyn Gage.
[1]
Adaptado do termo “Efeito Mateus” de Robert Merton
em 1968 –baseado na segunda metade do versículo bíblico Mateus 13:12
que diz: “Porque àquele que tem, se dará, e terá em abundância; mas
àquele que não tem, até aquilo que tem lhe será tirado” (Bíblia, 2015:
1470)– caracteriza o pouco reconhecimento atribuído às cientistas mulhe-
res e, por conseguinte, prejudicando a aquisição delas de financiamentos
e recursos.
Corroborando, Henry Etzkowitz e Namrata Gupta (2006) apontam
que a discriminação de gênero na ciência existe em todos os níveis, desde a
inserção e a participação das mulheres na área até o seu reconhecimento.
Acerca desse debate, Miqueo et al. (2011) defendem a denúncia dos pro-
cessos de desautorização masculina na comunicação científica, assim como
a necessidade do reforço do reconhecimento da autoria feminina com o uso
de seu primeiro nome, haja vista a potência da visibilidade delas como ins-
trumento para a legítima integração das mulheres, evitando o perpétuo
movimento da ciência sem mulheres ou da ciência com as eleitas.
Apoiando-se em uma das linhas de pensamento feminista – o feminis-
mo da diferença –, Londa Schiebinger argumentou que somente haverá
igualdade de gênero na ciência mediante as “mudanças não apenas nas
mulheres, mas também nas salas de aula de ciências, currículos, labora-
tórios, teorias, prioridades e programas de pesquisa (...)” (Schiebinger,
1999: 97, tradução nossa). Com a ampliação de correntes e recortes de
atuação feminista nos mais diversos espaços, é necessário investigar o
quanto, e de que forma, isso tem influenciado o campo de . Nesse
sentido alguns estudos têm buscado pontuar a influência de feminismos
pós/decoloniais, antirracistas, pró- no modo de pensar dos pesqui-
sadores e nas pesquisas.
Banu Subramaniam et al. (2016) indicam que os estudos do campo 
estão e devem estar preocupados com as complexidades de gênero, raça e
[1] Matilda Joslyn Gage foi uma americana sufragista que denunciou a tendência dos
homens em coibir o trabalho das mulheres, assim como receber os créditos proveniente do
trabalho delas. Apesar dos anos como ativista feminista, o fato de Matilda ser desconhecida
atualmente personifica os efeitos desse fenômeno (Rossiter, 1993).
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colonização na produção científica e tecnológica, pois a ciência e a moder-
nidade ocidental se pautam no contexto colonial e imperialista, no qual
houve a naturalização de uma política científica da diferença que exerce
influência até hoje nas sociedades colonizadas, como, por exemplo, a noção
que nossos indígenas foram passivamente colonizados. Corroborando,
Elizabeth Anderson traz à perspectiva pós-colonial da , ressaltando que
os “estudos pós-coloniais de ciência e tecnologia podem oferecer oportuni-
dades para gerar entendimentos sistemáticos de economias políticas em
mundos culturais locais, ou pelo menos eles podem nos oferecer tópicos
para seguir pelo labirinto” (Anderson, 2002: 652, tradução nossa). Já que
os estudos pós-coloniais explicitam a utilização de terras, insumos e sujeitos
colonizados como laboratórios e instrumentos para pesquisas científicas
realizadas ao longo dos séculos ,  e .
Com foco em como se dá às relações de poder a partir dos recortes de
gênero, raça, classe e etnia, tais estudos se mostraram fundamentais para a
compreensão de como ocorre a constituição da  nas sociedades do hemis-
fério Sul e como são moldadas as relações de poder e desigualdade neste
contexto (Subramaniam et al., 2016). Complementando, os estudos femi-
nistas pós-coloniais indicam que o surgimento do sexismo e do racismo
científico se deu a partir da observação dos corpos e dos hábitos dos colo-
nizados, sendo que nos últimos anos houve o desenvolvimento de investi-
gações sobre as preocupações políticas em  nos países do Hemisfério
Sul, no que se refere às mulheres no ambiente científico e militar
(Subramaniam et al., 2016).
Alinhada a tal perspectiva, Sandra Harding (2016) apresenta como a
teoria descolonial vem se desenvolvendo nas últimas décadas na América
Latina, fornecendo novos insights epistemológicos e políticos sob a perspec-
tiva do colonizado latino-americano, reflexões sobre os efeitos dessa colo-
nização nas realidades atuais e caminhos para mudanças sociais e
movimentos de justiça social necessárias às sociedades de todo o mundo.
O feminismo decolonial – considerado como um herdeiro do feminis-
mo negro e do terceiro mundo dos Estados Unidos construído a partir das
opressões de raça, classe e sexualidade – busca por um pensamento próprio
forjado por meio da denúncia de invisibilidade nos movimentos sociais e
no não-reconhecimento dentro do próprio feminismo (Lugones, 2014b;
Miñoso, Correal e Muñoz, 2014).
Um exemplo marcante para este pensamento com recortes sobre gênero
é o trabalho de Maria Lugones (2014a), que aponta a dissociabilidade da
reflexão e a descolonialidade com a reflexão sobre gênero.
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[…] a colonialidade do gênero constitui-se pela colonialidade de poder,
saber, ser, natureza e linguagem, sendo também constitutiva dessas. Elas são
crucialmente inseparáveis. Uma maneira de expressar isso é que a colonia-
lidade do saber, por exemplo, é gendrada e que sem entender seu caráter
gendrado não se entende a colonialidade do saber. Mas quero aqui me
adiantar dizendo que não existe descolonialidade sem descolonialidade de
gênero (Lugones, 2014a: 940).
Assim, para a autora, a lógica do sistema colonial e, portanto, do mundo
colonizado, se pauta no uso de dicotomias hierárquicas, nas quais os povos
indígenas das Américas e os/as africanos/as escravizados/as eram classifica-
dos/as como espécies não humanas. Neste contexto colonial e cristão, a
divisão maniqueísta entre o bem e o mal servia para marcar a sexualidade
feminina como maligna, uma vez que as mulheres colonizadas eram figu-
radas em relação a Satanás, às vezes como possuídas por Satanás.
METODOLOGIA
A partir de uma análise exploratória e descritiva, investigou-se quem e
quantas são as autoras feministas referenciadas nas bibliografias das emen-
tas das disciplinas de cursos interdisciplinares cujos focos se alinhavam aos
estudos da . Mediante tal identificação, elencou-se as mais citadas, assim
como o perfil étnico-racial das autoras. Não foram consideradas autoras que
tratam da temática de gênero apenas como um recorte metodológico para
apoiar temáticas mais gerais como saúde, meio ambiente, agricultura e
educação.
Para tanto, realizou-se uma busca na Plataforma Sucupira da Capes para
a identificação de programas de pós-graduação stricto sensu relacionados ao
enfoque  no país.
[2]
Assim, adotou-se a seguinte estratégia de busca: pro-
gramas da área básica “sociais e humanidade” e da área de avaliação “inter-
disciplinar” em funcionamento com orientação acadêmica. Como resultado,
obteve-se 109 programas.
Para a triagem dos mesmos, realizou-se uma seleção por meio de pala-
vras-chaves no nome do programa e nas linhas de concentração que dialo-
gam com os estudos , a saber: ciência, tecnologia, cultura, sociedade,
[2] Pesquisa realizada na Plataforma Sucupira em dezembro de 2018. Disponível em:
<https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/programa/listaPrograma.jsf>.
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políticas públicas, conhecimento científico, divulgação científica, história
da ciência, estudos feministas e desenvolvimento social.
Neste sentido, elencou-se 25 programas para a análise proposta identi-
ficados no quadro 1.
Após, realizou-se buscas tanto nos websites dos programas supramen-
cionados, como na Plataforma Sucupira a fim de verificar a estrutura cur-
ricular dos cursos. Quando as ementas não estavam disponíveis em ambas
vias, contatou-se a secretaria dos programas de pós-graduação para
solicitação.
Em seguida, debruçou-se sobre as referências das ementas das discipli-
nas com convergência para os estudos de gênero, bem como para a aborda-
gem  dos programas que compõem a análise (quadro 1).
Assim, de forma inicial, verificou-se o gênero das autorias, pois devido
às abreviaturas que comumente se utiliza na comunicação científica, há
uma inviabilização do trabalho feminino, o que será aprofundado na aná-
lise dos dados. Em seguida, contabilizou-se as autoras e as obras mais
citadas. Então, traçou-se um perfil com a identificação de raça –classifican-
do-as como brancas e não brancas– e da nacionalidade dessas autoras. Haja
vista que, como pondera Maria Lugones:
A relação entre pureza categorial e dicotomias hierárquicas funciona assim:
cada categoria homogênea, separável, atomizada caracteriza-se em referên-
cia ao membro superior da dicotomia. Assim, “mulheres” refere-se a mulhe-
res brancas. “Negro” refere-se a homens negros. Quando se tenta entender
as mulheres na intersecção entre raça, classe e gênero, mulheres não bran-
cas, negras, mestiças, indígenas ou asiáticas são seres impossíveis. São
impossíveis porque não são nem mulheres burguesas europeias, nem
machos indígenas. A interseccionalidade é importante quando mostra a
falha das instituições em incluir discriminação ou opressão contra mulheres
de cor (Lugones, 2014a: 942).
Assim, o conceito de racialização proposto por Maria Lugones (2014a), a
partir das teorias de colonialidade do poder/ser de Aníbal Quijano, faz
referência à classificação dos povos do mundo em “raças” por meio das
relações entre o colonizador e o colonizado e da potência da exploração do
trabalho colonizado. A partir dessa reflexão, pode-se entender a importân-
cia desta classificação, pois, essa diferenciação é essencial para a construção
da diversidade do pensamento feminista, ou seja, olhar para as mulheres
não brancas é ir além da lógica “categorial” colonial.
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Quadro 1. Programas interdisciplinares selecionados
Programa Instituição de ensino
Ciência, Tecnologia e Sociedade Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Paraná
Ciência, Tecnologia e Sociedade Universidade Federal de São Carlos
Ciências da Sociedade Universidade Federal do Oeste Do Pará
Ciências Humanas Universidade do Estado do Amazonas
Ciências Sociais Aplicadas Universidade Estadual de Ponta Grossa
Cultura e Sociedade Universidade Federal do Maranhão
Desenvolvimento, Tecnologias e Sociedade Universidade Federal de Itajubá
Difusão do Conhecimento Universidade Federal da Bahia; Universidade Do Estado da
Bahia; Faculdade de Tecnologia Senai Cimatec; Laboratório
Nacional de Computação Científica; Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia; Universidade
Estadual de Feira de Santana
Divulgação Científica e Cultural Universidade Estadual de Campinas
Divulgação da Ciência, Tecnologia
e Saúde
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)
Estado e Sociedade Universidade Federal do Sul da Bahia
Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres,
Gênero e Feminismo
Universidade Federal da Bahia
História da Ciência Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
História das Ciências e das Técnicas
e Epistemologia
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Interdisciplinar em Estudos
Latino-americanos
Universidade Federal da Integração Latino-americana
Interdisciplinar em Ciências Humanas Universidade Federal de Santa Catarina
Política Científica e Tecnológica Universidade Estadual de Campinas
Políticas Públicas Universidade Federal do Paraná
Políticas Sociais Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro
Políticas Sociais e Cidadania Universidade Católica do Salvador
Práticas Socioculturais e Desenvolvimento
Social
Universidade de Cruz Alta
Relações Étnicas e Contemporaneidade Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
Relações Étnico-raciais Centro Federal de Educação Tecn. Celso Suckow da Fonseca
Sociedade, Tecnologias e Políticas
Públicas
Centro Universitário Tiradentes
Tecnologia e Sociedade Universidade Tecnológica Federal do Paraná
* Programa de pós-graduação com sede na ufba em colaboração com as demais instituições citadas.
62 L. AZEVEDO JANUÁRIO / J. RIBEIRO DE OLIVEIRA / E. SIQUEIRA ROCHA
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Após o tratamento dos dados, foi necessário o levantamento para visibili-
dade de gênero de cada autoria das referências, já que conforme Miqueo et
al. (2011) denunciam em seus trabalhos a normalização da comunicação
científica, supostamente impessoal, contribui para inviabilizar o trabalho
das pesquisadoras devido ao viés machista e sexista que permeia a estrutura
científica. Assim, identificou-se que as autoras foram citadas 634 vezes nas
ementas com grande concentração das referências em apenas uma parte das
autorias. Para demonstrar a distribuição, criamos uma nuvem de palavras
(figura 1), pois seriam muitas autoras para mostrar em uma tabela.
Em complemento, no quadro 2, são apresentadas as frequências das
autoras mais citadas com dados sobre raça e nacionalidade.
Assim, pode-se observar que há uma concentração na citação dos traba-
lhos de 20 autoras, as quais, assim, podem ser consideradas as principais
autoras de referência dos estudos feministas do campo  no Brasil.
Pode-se concluir que o reconhecimento científico ocorre apenas para as
autoras “consolidadas” na perspectiva feminista, haja vista que 634 referên-
cias foram identificadas sobre o tema na análise, mas 20 autoras represen-
tam 32,6% da produção científica selecionada para a análise, ou seja, as
mais citadas somam 207 citações. O que demonstra, assim, que há autoras
e produção científica as quais merecem destaque e citação no que se refere
Figura 1. Nuvem de palavras com autoras referenciadas
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aos estudos de gênero, confirmando o “Efeito Matilda” o qual dita que as
mulheres na  recebem nenhum ou menor crédito por seu trabalho cien-
tífico em comparação com os homens (Rossiter, 1993). O restante das cita-
ções se espalha de forma mais difusa com diferentes autorias.
Observa-se que as autoras mais citadas nas ementas são norte-america-
nas brancas (dez autoras) com destaque para Judith Butler, Sandra Harding,
Joan Scott e Donna Haraway – consideradas cânones da Epistemologia
Feminista. De um total de seis autoras brasileiras classificadas entre as mais
citadas, apenas Helena Hirata não possui o perfil predominante, pois é de
Quadro 2. Autoras mais citadas
Nome da autora Frequência de citação Nacionalidade Raça/etnia
Butler, Judith P. 23 Estados Unidos Branca
Harding, Sandra 22 Estados Unidos Branca
Scott, Joan W. 21 Estados Unidos Branca
Haraway, Donna 13 Estados Unidos Branca
Sardenberg, Cecília M. 13 Brasil Branca
Keller, Evelyn Fox 13 Estados Unidos Branca
Grossi, Miriam Pillar 10 Brasil Branca
Miñoso, Yuderkys
Espinosa
9
República
Dominicana
Negra
Castro, Mary Garcia 9 Brasil Branca
Longino, Helen 8 Estados Unidos Branca
Flax, Jane 7 Estados Unidos Branca
Hirata, Helena 7
Japão,
naturalizada no Brasil
Amarela
Schiebinger, Londa 7 Estados Unidos Branca
Bordo, Susan 7 Estados Unidos Branca
Lima e Souza, Ângela
Maria Freire de
7 Brasil Branca
Pérez Sedeño, Eulalia 7 Marrocos Branca
Saffioti, Heleieth 6 Brasil Branca
Crenshaw, Kimberlé 6 Estados Unidos Negra
Lorde, Audre 6 Estados Unidos Negra
Nicholson, Linda 6 Estados Unidos Branca
Total 207
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nacionalidade japonesa e naturalizada brasileira. Nessa classificação ape-
nas há Audre Lorde e Crenshaw como mulheres americanas e negras, e
Yuderkys Miñoso também negra, porém dominicana. Portanto, apenas
três de 20 autoras são negras e dois autoras que atentam para as questões
raciais e de gênero no contexto latino-americano, Miñoso e Pérez Sedeño,
sendo esta última marroquina, entretanto, tendo construído sua carreira
acadêmica na Espanha.
O resultado demonstrado acima confirma as afirmações feitas por
Subramaniam et al. (2016) sobre a falta de representatividade na
Epistemologia Feminista e, sobretudo no âmbito , mostrando uma pre-
dominância do perfil de teóricas euro-americanas brancas. Reforçando, tam-
bém, a reflexão de Lugones (2014a) de que ao tratar da categoria mulher
estamos nos referindo majoritariamente ao pensamento de mulheres brancas
europeias ou no caso, no máximo de mulheres norte-americanas.
Os dados obtidos, também, estão de acordo com as falas de Subramaniam
et al. (2016), Bauchspies, Croissant e Restivo (2006) e Hess et al. (2016) a
respeito da desigualdade de gênero em esferas primordiais para formação
de pesquisadores. E permitem, assim, a ilustração de como as bases “patriar-
cal-masculino-machista” construtivas da Ciência Moderna, como caracte-
riza Hilton Japiassu (2011), são responsáveis pela estratificação,
discriminação e falta de representatividade, de gênero e, sobretudo, de raça,
no fazer científico.
Verificou-se, ainda, que a maior parte das autorias femininas se concen-
tram nas disciplinas optativas, o que pode ser explicado pelo fato das disci-
plinas de estudos de gênero, geralmente, pertencerem ao quadro de
disciplinas eletivas. Em 11 cursos dos 25 analisados, não há disciplinas com
foco central nas questões de gênero, e, em apenas dois programas as disci-
plinas de estudos de gênero integram a grade obrigatória.
É importante ressaltar que alguns programas não possuem disciplinas
obrigatórias, deixando a critério do discente decidir como deverá cumprir
o número de créditos exigidos pelo regulamento interno. Esse formato de
oferecimento de disciplinas pode dificultar a aderência de tais temáticas e a
leitura dos trabalhos de teóricas feministas em curso interdisciplinares para
além do público interessado, assim como a construção de um pensamen-
to crítico no corpo discente brasileiro sobre as questões de gênero na .
Com relação às obras mais citadas, o cenário é o apresentado no quadro 3.
Destacou-se como trabalhos mais citados aqueles com três ou mais
citações. Assim, em conjunto, 26 obras correspondem a 108 das 207 cita-
ções elencadas, ou seja, os principais títulos concentram mais da metade
das indicações bibliográficas analisadas. Pode-se ponderar, dessa forma,
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Quadro 3. Principais obras referenciadas
Autora Referência da obra Total
Scott, Joan
Scott, J. (1990), “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”,
Educação e Realidade, 15, (2), pp. 5-22.
12
Butler, Judith P.
Butler, J. (2003), Problemas de gênero: feminismo e subversão da
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66 L. AZEVEDO JANUÁRIO / J. RIBEIRO DE OLIVEIRA / E. SIQUEIRA ROCHA
que o arcabouço teórico composto por tais obras é considerado, pela aca-
demia brasileira, como fundamental para a estruturação de estudos de
gênero no país. Alinhado a perspectiva decolonial do presente estudo, é
importante problematizar que esses trabalhos espelham, predominante-
mente, uma perspectiva branca e eurocêntrica, sendo necessária a des-
construção da obrigatoriedade velada da utilização de tais cânones para
os estudos de gênero no país com a leitura e debate a partir de autoras
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Autora Referência da obra Total
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108
Quadro 3... continuação
67
REDES
, VOL. 26, Nº 50, BERNAL, JUNIO DE 2020, PP. 53-69
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da análise proposta das referências e autorias das disciplinas, que
possuem estudos de gênero e estudos feministas como base em cursos inter-
disciplinares com referências do campo , pôde-se traçar um perfil majo-
ritário das principais autoras e obras citadas nestes cursos.
Assim, percebeu-se que há menos autoras referenciadas nas ementas dos
cursos, mesmo nas disciplinas com foco em gênero. Verificou-se, ainda, que
há inúmeros programas de pós-graduação no país que não apresentam dis-
ciplinas obrigatórias ou eletivas sobre as questões de gênero. E, uma peque-
na quantidade de cursos que apresentam disciplinas com esse enfoque como
componente obrigatório.
Isso evidencia o tamanho da necessidade do reconhecimento da episte-
mologia feminista enquanto categoria de análise para o campo  no país,
pois a ausência dessas indicações de leitura nas grades dos cursos, no míni-
mo, dificulta o acesso ao pensamento crítico trazido por feministas para os
Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia.
Observou-se, também, um abismo entre o reconhecimento de obras de
mulheres brancas estadunidenses para trabalhos de mulheres de qualquer
nacionalidade, em especial de mulheres negras. O que torna o caminho a
ser percorrido ainda mais longo para que as realidades de mulheres fora do
eixo “branco, norte e ocidental” sejam levadas em conta. Já que em sua
maioria, as obras dessas autoras não costumam dar destaque às questões de
raça, orientação sexual e outros recortes dentro da perspectiva feminista.
Diante disso, pode-se comprovar a tese de que as autoras feministas mais
referenciadas tanto nas disciplinas de  como de estudos de gênero dos
cursos interdisciplinares relacionados ao enfoque , ainda, são, em sua
maioria, mulheres brancas dos países do hemisfério norte que não se iden-
tificam com a agenda científica dos países “marginalizados”, assim como as
especificidades das mulheres negras, indígenas que compõem o Brasil.
Por fim, pôde-se perceber que a análise de referências bibliográficas
pode e deve ser mais amplamente utilizada como instrumento de pesquisas
científicas devido sua potência de utilização, tal como verificar a aderência
das ideias de determinados autores e autoras nas áreas científicas, e traçar a
linha teórica que fundamenta determinados cursos. Adicionalmente, deixa-
mos a recomendação para que os programas de pós-graduação elencados
considerem diversificar os currículos de estrutura curricular, assim como
que associações de regulamentação de normas técnicas busquem alternati-
vas que solucionem a invisibilidade da autoria feminina na produção
intelectual.
68 L. AZEVEDO JANUÁRIO / J. RIBEIRO DE OLIVEIRA / E. SIQUEIRA ROCHA
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Artículo recibido el 10 de noviembre de 2019.
Aprobado para su publicación el 10 de marzo de 2020.